Peso do saber: acumulação de riqueza a partir da exploração do trabalho docente nas escolas particulares do ABC paulista 1986 – 2016

André Aparecido Bezerra Chaves (PPGHE/USP)1

Essa comunicação teve por objetivo apresentar o atual estágio de desenvolvimento de pesquisa em História Econômica acerca da análise das condições que permitem os capitalistas que investem no segmento econômico da Educação Básica maximizar seus lucros a partir da usurpação de parte significativa da riqueza criada pelo trabalho docente.

O período a analisado foi delimitado entre 1986 e 2016, porque existiam fontes históricas escritas organizadas no SINPRO – ABC Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul e na SIEEESP – Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo, Regional ABC. Eram elas Legislação Trabalhista e Sindical, Acordos Coletivos, Processos Trabalhistas, Estatísticas Sindicais. Possuíam informações suficientes para identificar a dinâmica do fato socioeconômico acima descrito ao longo dos três decênios estudados.

O Capítulo 1 foi intitulado “Capitalistas e proletários na educação” porque se procurou identificar as características gerais da dinâmica social que envolve a relação entre capital e trabalho nesse segmento econômico.

Passo inicial foi encontrar o aparato histórico e legal que favoreceu a livre iniciativa do capital privado em explorar o seguimento econômico da educação. Entendeu-se que o aparato legal transforma o investimento do capitalista em uma instituição autorizada pelo Estado a gerar riqueza, distribuir parte dela aos trabalhadores contratados conforme a vontade dele e, assim, justifica a maximização de sua renda e de sua riqueza acumulada, sob a proteção coercitiva do mesmo Estado.

Nessa perspectiva, como qualquer empreendimento capitalista, a escola privada surgiu com a finalidade de obter o maior lucro possível para ampliação do seu patrimônio (no sentido contábil, o Ativo – bens e direitos – maior que o Passivo – obrigações), como se encontrou no artigo 168, parágrafo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 19672 e no artigo 209 da Constituição da República Federativa do Brasil de 19883.

Caso o Artigo 170 desta Constituição4 fosse respeitado pelos capitalistas que investiram no segmento econômico da Educação Básica no ABC Paulista, não haveria a necessidade da criação e manutenção de um sindicato antagônico constituído de trabalhadores assalariados professores. Isso aconteceu porque os professores sofriam com depauperadas condições de trabalho, depreciação no trato (relação interpessoal), reduções salariais nominais e reais diante da maximização dos lucros.

Contudo, mesmo que o capitalista (ou grupo de capitalistas solidários no investimento) tivessem aplicado vultosas somas de dinheiro em capital fixo e contratado outros trabalhadores assalariados (capital humano) para funções adjacentes (seguranças, educadores de apoio, cozinheiros, faxineiros, encarregados de manutenção, etc.) não tornariam a empresa ativa e financeiramente viável o investimento porque o grupo profissional que cria o faturamento e os lucros é o do professor.

Procurou-se entender a ideia que está por trás da instituição que os sindicatos representam nesse período. Constatou-se, em linhas gerais, que se poderia caracterizar um sindicato como uma agremiação que não possui diretamente um objetivo político no sentido de fazer seus integrantes ocuparem cargos na gestão do Estado como agentes políticos.

Sua principal atividade política se direcionaria na defesa dos interesses socioeconômicos de determinado grupo, seja profissional, seja explorador de uma atividade econômica, com a intenção de coordenar ações que os realizem.

No Brasil, o movimento sindical teve início no século XIX em um processo que transcorreu por vários decênios como reflexo de outros fatores sociais, destacando-se o crescimento do movimento abolicionista, a diminuição gradativa do trabalho escravo e do regime de parceria no trabalho assalariado rural e urbano, fortalecido pela presença imigrante de mão-de-obra livre – especialmente de origem europeia – que trouxe duas tendências ideológicas e de defesa de interesses e necessidades dos trabalhadores: anarco-sindicalista e socialista.

Diante do surgimento do sistema socioeconômico socialista com a Revolução Russa de 1917 e o fortalecimento do movimento revolucionário com partidos comunistas nacionais, em contato constante entre si através de organizações que visavam alinhamento ideológico e pragmático (as Internacionais), Getúlio Dorneles Vargas (1882 – 1954), ao assumir o controle do Governo Federal com a Revolução de 1930, tornou o Estado mediador e controlador das relações entre capital e trabalho a fim de evitar a radicalização dos conflitos entre classes sociais e consequente fortalecimento de movimentos partidários e revolucionários, fossem anarquistas, socialistas ou comunistas.

Como ações legislativas, criou instituições estatais para legitimar a força do Estado diante das relações de trabalho: o Ministério do Trabalho (1930), a Justiça do Trabalho (1946) e a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Nesta, entre os artigos 511 e 5945, ficou determinada a organização do sistema sindical.

Seria uma entidade que teria organização estável, com ocupação democrática e eletiva para os cargos administrativos. Possuiria a responsabilidade, capacidade e autoridade representativa do seguimento socioeconômico (capital ou trabalho) junto à outra parte ou junto ao Estado. Contariam com associados dos setores primários, secundário ou terciário da economia que exercessem mesma atividade ou atividades semelhantes.

Durante o período estudado, as Regras Jurídicas ou Leis definiram a estrutura sindical no Brasil de maneira hierarquizada: o sindicato seria constituído a partir do município como base territorial mínima, o que tornava a organização sindical bairrista ou da empresa ilegal. Além disso, estava estabelecida a unidade sindical, na qual deveria existir apenas um sindicato por município ou região para cada segmento econômico. Dessa maneira, facilitaria o controle da existência e atividades das instituições sindicais.

As Federações seriam responsáveis por agremiar os sindicatos nos estados, enquanto as Confederações eram encarregadas de uni-las. Como entidades de trabalhadores, as centrais sindicais, por sua vez, seriam entidades que reuniriam as Confederações com o intuito de unificar e direcionar as ações de um seguimento socioeconômico.

O Estado também determinou como seria a sobrevivência financeira dos sindicatos. Estava relacionada ao recolhimento anual compulsório da Contribuição Sindical, descrita e regulamentada nos Artigos 578, 579 e 5282 da CLT, Artigo 159 da Constituição de 1967, substituído pelo Artigo 149 da Constituição de 1988.

Como valor financeiro da Contribuição Sindical, fixou determinado que os trabalhadores assalariados (como os professores) pagariam o equivalente a um dia de trabalho no mês de abril do ano corrente. Os capitalistas contribuiriam com os sindicatos patronais com uma quantia financeira proporcional ao capital social da empresa, registrado na Junta Comercial local ou instituição equivalente, a partir do valor de referência do seguimento econômico apresentado pelo governo, conforme as seguintes porcentagens:

1 - Até 150 vezes o maior valor-de-referência 0,8 %;

2 - Acima de 150 até 1.500 vezes o maior valor-de-referência 0,2 %;

3 - Acima de 1.500, até 150.000 vezes o maior valor-de-referência 0,1 %;

4 - Acima de 150.000. até 800.000 vezes o maior valor-de-referência 0,02 %.

A CLT, em seu Artigo 589, determinava a divisão do montante arrecadado na Contribuição Sindical entre o sindicato respectivo, federação, confederação, central sindical e Conta Especial de Amparo ao Trabalhador (conta cujo saldo tinha por objetivo o custeio de despesas de instalação e funcionamento dos órgãos criados ou transformados pelo Ministério do Trabalho e, em 1990, ligado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, destinado a financiar o Programa Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e Programas de Desenvolvimento Econômico).

Além disso, no Artigo 592, a mesma CLT, determinava o uso da Contribuição Sindical, para fins específicos, seja para o sindicato dos trabalhadores assalariados6 como para o dos patrões7.

Foi nesse contexto que professores assalariados de escolas particulares da Educação Básica do ABC Paulista - entre os quais alguns participavam, desde a década de 1970, de movimentos sociais e políticos dessa região industrial e comercial do país, como a constituição do PT – Partido dos Trabalhadores e CUT – Central Única dos Trabalhadores – organizaram a APRO – ABC – Associação Profissional dos Professores do ABC, instituição necessária como estágio probatório para requerer reconhecimento como sindicato junto ao Ministério do Trabalho à época, conforme Artigo 515 da CLT.

No dia 13 de março de 1986, foi outorgada pelo Ministério do Trabalho a Carta Sindical que autorizou o surgimento do SINPRO – ABC Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul.

Para a associação de um professor assalariado ao SINPRO – ABC era necessária própria iniciativa (não havia obrigatoriedade de associação), aceitação das prerrogativas estabelecidas na CLT e Constituição Federal, a efetivação após a contratação dele por uma escola privada (para pertencer ao sindicato é indispensável contrato de trabalho formal e legal). Com seu desligamento, havia descredenciamento sindical, pois não existia o credenciamento sindical do professor assalariado desempregado, conforme Artigo 5º do Estatuto Social8.

Foi crescente os números absolutos e relativos de associados ao SINPRO – ABC ao longo de três decênios.

Um sindicato que agregou os proprietários de escolas existia desde 1932: treze colégios criaram a Federação das Escolas de Comércio de São Paulo, que passou a se chamar Associação Profissional do Estado de São Paulo. Em 1945, recebeu sua primeira Carta Sindical do Ministério do Trabalho sendo chamado Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Comercial no Estado de São Paulo. Em 1987, a Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho concedeu nova Carta Sindical que estendeu a representatividade a todas as escolas particulares do Estado de São Paulo (fora o Ensino Superior, Auto e Moto-Escolas) e ficou denominada SIEEESP – Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo.

Ao longo dos três decênios pesquisados, os donos das escolas particulares que tinham como objetivo oferecer Ensino Básico nos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul estavam filiados a esse sindicato patronal, de acordo com a legislação em vigor.

Para analisar as relações de trabalho entre capitalistas e proletários nessa atividade econômica e na área delimitada, ao longo de trinta anos, segundo suas fontes históricas, foi necessário encontrar uma teoria social que respondesse melhor à questão proposta na pesquisa. A teoria que melhor respondeu a essa demanda foi o conceito “mais – valia” criado por Karl Marx porque demonstrou eficiência em verificar com nitidez os vários estágios do movimento econômico no sistema capitalista (produção, circulação e acumulação) que delineiam as classes sociais (capitalistas e trabalhadores) a partir da vida material que levam, com interesses divergentes e tensões permanentes, latentes ao ponto de forçar convenções ou desencadear confrontos.

No Capítulo 2, cujo título é “Mais-valia: da realidade ao conceito”, procurou-se, em primeiro lugar, encontrar a realidade alemã e europeia com a qual Karl Marx se deparou ao longo do século XIX para desenvolver esse conceito. Verificou-se grande esforço das elites econômicas em permanecer no poder político, tanto na política externa (tratados e guerras) quanto na política interna (convencimento e repressão da população).

A segunda foi a aliança entre a nobreza e a burguesia para criar e recriar cinco organizações político econômicas ao longo do século XIX (Sacro Império Romano Germânico, Liga Renana, Confederação Germânica, Confederação Germânica do Norte e Império Alemão) para controlar o Estado, ampliando vastas possibilidades de mercado, interno e externo.

A terceira foi o interesse das elites político-econômicas prussianas em desenvolver o capitalismo industrial para melhorar a concorrência e concentração de riquezas diante de outras potências industriais europeias.

Essa tradição criava a quarta peculiaridade: uma cizânia permanente impedia a estruturação de um projeto político de representação capaz de agregar e negociar consenso tantos interesses divergentes nas elites dos vários Estados de cultura e tradição germânica a fim de compor instituições que representassem um poder central preponderante. Como consequência, quinta peculiaridade, ausência de um corpo legislativo comum que regesse as relações humanas entre si e com o Estado (Constituição, Regras Jurídicas ou Leis civis, tributárias, comerciais, penais, trabalhistas), o que possibilitaria melhor dinâmica nas atividades econômicas germânicas.

Mesmo com o abalo que representou as ações populares de 1848, optou-se por transformar as ideias de Estado (instituições de governança) e nação (população e território controlado e administrado pelos detentores do poder no Estado, geralmente representantes das elites econômicas) em Estado – nação (as instituições de governança agiriam em função das aspirações populares em sua totalidade – das morais às econômicas – tornando até os mais humildes pertencentes a um todo homogêneo, apenas com funções socioeconômicas específicas).

Gradativamente a consciência da pobreza e da riqueza como consequência de uma relação interna entre capital e trabalho foi substituída pela comoção do sentimento nacionalista e imperialista. Logo, necessitavam de justificativas teóricas para efetividade e o lugar de construção desses discursos era a universidade, em especial na Filosofia e no Direito.

As leituras mostraram que a relação entre Estado e conhecimento acadêmico era estreita devido ao amparo financeiro estatal nos Estados germânicos; a tradição filosófica idealista permaneceu como especulação filosófica preponderante na região dos Estados germânicos e influenciou o meio jurídico.

A análise dos traços culturais particulares dos povos de tradição germânica representaram o esforço dos intelectuais em identificar uma alternativa viável para unidade social e política, mesmo com diferenças econômicas, através do idealismo filosófico e científico.

Tal opção pelo método idealista era proposta mais eficiente que os intelectuais - representantes das classes sociais ascendentes - ofereciam às elites detentoras dos poderes políticos e econômicos nos Estados e cidades livres alemãs ao longo do século XIX. Almejavam encontrar um sistema teórico capaz de conciliar as diferenças de interesses individuais, considerados inerentes à vida coletiva, para criar uma sociedade harmoniosa9.

Foi necessário ampliar de maneira controlada a participação da população (em especial das classes ascendentes) nas eleições e maior acesso ao judiciário para convocar o envolvimento dos cidadãos que se considerassem alemães aos valores que consideravam súperos aos interesses particulares: lealdade ao Estado sob febre nacionalista10.

Os intelectuais envolvidos com Filosofia e Direito deveriam produzir propostas de reorganização das instituições do Estado e das forças sociopolíticas responsáveis por sua dinâmica utilizando o sentimento de unidade porque possibilitaria a esse Estado seduzir as energias sociais da população de cultura alemã, uma vez que as Regras Jurídicas ou Leis estariam de acordo com seus costumes e tradições, aumentando o sentimento de justiça e confiança no próprio Estado; isso canalizaria essa energia a defender o Estado e a legislação que o sustenta, com a própria vida se necessário contra opositores internos e inimigos externos. Eis o sonho do Estado – nação.

Contudo, intelectuais são pessoas da época em que vivem, na sistematização como elaboram apropriados raciocínios sobre um ou mais fenômenos que merecem compreensão - quando não demandam soluções - posto que são problemas, infortúnios ou ambições de âmago humano ou da dinâmica da natureza, enfrentados por uma sociedade ébria por respostas.

Por carregar de ideologia e convicção moral e ética sua especulação filosófica ou análise científica, o intelectual (especialmente o acadêmico) cria um discurso logico e metódico que preserva e legitima ou critica e propõe reestruturações às mais variadas formas de poder; de acordo com esse posicionamento perante a realidade pode ser exaltado como referência institucional ou ser reprovado por suas posições críticas ou adversas.

Diante dessas possibilidades ideológicas, percebeu-se a importância de analisar quem foi o grande pilar defensor da institucionalização do Estado – nação nos Estados autônomos e cidades livres de cultura e tradição germânica e como Karl Marx (1818 – 1883) construiu um discurso opositor forte e sereno. Ele mesmo a deixou indicada ao escrever o livro Crítica da Filosofia do Direito de Hegel entre 1842 e 1843.

Ao desenvolver a análise a obra Princípios da Filosofia do Direito de 1819, cujo autor era o professor de Filosofia Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), percebeu-se ele não reconheceu o livro como um resumo de sua filosofia apresentada em livros anteriores (Fenomenologia do Espírito e Ciência da Lógica), mas nova especulação filosófica metódica em si, porque seguia própria lógica filosófica.

Seguiria o princípio que o ser humano seria consciente e racional. O Direito seria fruto da razão e, em última análise, seria o Estado, seu agente, objeto da Filosofia em seu tempo, a fim de mostrar seu ideal. A História (enquanto realidade) do Direito poderia ser percebida pelo ser humano em seu tempo, desde que procurasse compreender, de maneira positiva ou racional, o próprio Direito, a moralidade e a realidade jurídica e moral, em um caráter universal, determinado por meio do pensamento.

Entendia que o domínio do Direito seria o espírito, a vontade livre do indivíduo, cujo conteúdo se caracterizaria por ser imediato, instintivo. Contudo, como contradição implícita do livre arbítrio as inúmeras variantes individuais de vontade podem se aniquilar mutuamente, portanto a solução dialética seria a purificação dos instintos a partir da possibilidade de racionalização das vontades. Essa faculdade racional do ser humano e de valor universal constituiria não apenas uma liberdade racional (a verdade) voltada para o bem, mas também demonstra que cada sociedade poderia encontrar um trajeto para isso: a cultura. O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre, constitui o Direito, que pode ser exposto de várias formas, a saber: família, propriedade, moralidade, Estado, etc.

Na Primeira Parte do livro, intitulada Direito Abstrato, Hegel se preocupou com o Direito a partir do íntimo, do espírito de cada pessoa consciente, logo, abstrato. Na Segunda Parte, A Moralidade Subjetiva, entendeu que a moral se relacionaria, em princípio, à vontade imediata do sujeito, mas deixaria de ser infinita em si, irrestrita, para se limitar e trazer benefícios exteriores (na relação social) para o sujeito. Ela se identificaria com a vontade universal e limitaria ou dominaria a liberdade para que a vida social fosse possível. Na Terceira Parte, A Moralidade Objetiva seria a ideia de liberdade segundo a qual cada ser humano teria ciência do que deveria e não deveria fazer para exercer sua liberdade diante de estabelecida realidade social, sempre em consonância a uma Ideia coletiva de liberdade, regida e capaz de manter vivas Regras Jurídicas ou Leis e outras Instituições.

Para Hegel, portanto, o espírito humano, para se realizar plenamente, precisa de liberdade em sua vida. Como o ser humano vive em sociedade, o espírito precisa encontrar maneiras éticas, morais e legais para se realizar sem prejudicar o outro; assim, o Estado seria a instituição que representaria a maior realização do espírito humano. Riqueza e pobreza, sucesso e fracasso, seriam manifestações físicas das vontades do espírito.

Karl Marx não conseguia ver na realidade objetiva com a qual se deparava essa Filosofia, portanto, procurou romper com essa tradição filosófica para novas especulações. Entender de maneira racional e empírica o porquê da existência de riqueza e pobreza entre os seres humanos era uma aspiração do jovem Karl Marx por pensar e sugerir atenuação ou solução a esse problema durante a vida terrena ou material.

Ao se fazer uma análise dos livros de Karl Marx, percebeu-se que era a ganância o sentimento elementar dos empresários capitalistas. Como não poderiam ter maior lucro com o aumento dos preços dos produtos porque, uma vez colocados no mercado, não manteriam competitividade nas vendas, os capitalistas necessitavam ampliar a sua margem de ganho no processo produtivo. Assim, sofisticou a ideia de mais-valia. Chegou a tentar encontrar uma razão matemática que tornasse ao mesmo tempo visível e lógica a mais-valia absoluta:

Chamaremos portanto M a massa de mais-valia, m a mais valia diariamente fornecida em média pelo trabalhador individual, v o capital variável adiantado diariamente para comprar uma força de trabalho individual, V a soma total do capital variável, k o valor de uma força de trabalho média a’/a (trabalho excedente/trabalho necessário) o grau de sua exploração e n o número de trabalhadores empregados. Teremos então:

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Mesmo com o crescimento econômico de um país, a acumulação de riqueza dos capitalistas existe porque além dos rendimentos dos lucros nas vendas, juros, renda da terra, etc., a mais-valia funciona para mantê-la.

Mais de um século e meio depois que Karl Marx se propôs a identificar a dinâmica do capitalismo de sua época, os capitalistas encontraram as mais variadas maneiras de manter o controle ideológico, financeiro e político das sociedades. Contudo, o conceito de mais-valia demonstra sua sobriedade ao se referir à análise do capitalismo quando, em ciências sociais, os pesquisadores levantarem também com sobriedade as possibilidades de incorporar novas categorias econômicas relacionadas ao trabalho.

As empresas capitalistas se tornaram mais complexas, com inúmeros profissionais, com graus variados de qualificação e especialização; desenvolveu-se a tecnologia (especialmente a tecnologia eletrônica e informatizada); as jornadas de trabalho se tornaram flexíveis; ganhos indiretos e benefícios foram incorporados aos salários. Por outro lado, em pleno mundo globalizado persistem diferentes aspectos locais como características geográficas, organizações legais, tradições e valores culturais e até mesmo desigualdades sociais que precisam ser levadas em consideração para analisar a mais-valia e suas consequências sociais nas mais variadas épocas e espaços históricos.

Foram inestimáveis as contribuições de Joseph Kitchin (1861 – 1932), Joseph Clément Juglar (1819 – 1905), Simon Smith Kusnets (1901 – 1985), Nikolai Kondratiev (1892 – 1938), Ernest Ezra Mandel (1923 – 1995), Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950), Peter Berngardovich Struve (1870 – 1944), entre outros intelectuais que se dispuseram a estudar diferentes aspectos a dinâmica capitalista na microeconomia e na macroeconomia, preocupados em identificar flutuações que atingem a produção, a circulação e a acumulação de capital, bem como a consequente geração de desigualdades sociais.

A pesquisa em História Econômica que usa uma teoria social marxista precisa estar amparada por metodologias que se assentem em elementos estruturais da economia capitalista cuja dinâmica pode ser observada em ciclos ou ondas apresentados em séries numéricas.

Os diferentes movimentos de capital, movimentação entre ramos, tendência à maximização do lucro, tendência à remuneração da classe operária como uma função da reprodução ampliada, etc, podem ser entendidos como formas de evolução da reprodução capitalista, periodizados em ciclos, e caracterizados por crises econômicas e sociais12.

O diálogo saudável e permanente com os outros aspectos da História e com outras disciplinas das Ciências Sociais podem conduzir a uma compreensão maior do objeto de estudo do historiador. A forma como se utiliza a teoria marxista tem consequências diretas nas respostas que a História em particular e as Ciências Sociais em geral oferecem para questões oriundas da História do tempo presente: ou se abrem às angustias humanas (como fez Karl Marx) ou serão complexos discursos incompreensíveis.

É o que possibilitou analisar, no setor de serviços, a criação de riquezas pelo trabalho do professor e o quanto o empresário do setor se apropria disso, ampliando sua riqueza, deixando o assalariado em condições materiais inferiores.

O capítulo 3, cujo título provisório é “Mais-valia absoluta”, está em processo de produção. Nele, a ideia de mais-valia sai do chão da fábrica e encontra outro espaço no qual pode ser criada. O que torna rentável o investimento de capital em uma escola é saber que o conhecimento formal é a mercadoria à venda; essa vendagem no mercado é a fonte de lucros do capitalista.

Entendemos que a formação de valores, princípios, ética, sociabilização, entre outros serviços oferecidos pelos profissionais da escola particular de Educação Básica são produtos agregados ao principal: o conhecimento formal. Essa mercadoria se identifica com o principal objetivo da empresa: após a conclusão da Educação Básica, possibilitar o ingresso do jovem na universidade através do concurso efetivo: o sonho dos pais dos alunos em perceber o aprimoramento pessoal do filho para almejar e competir por uma vaga na universidade de qualidade é o que os motiva a comprar mês após mês, ano após ano, o conhecimento formal no mercado.

Contudo, todo o capital fixo (ou ativo imobilizado da empresa, que não se consome no processo produtivo da empresa), o capital circulante (bens intermediários) e o capital humano que não é o principal (manutenção, recepção, segurança, informática, escritório, etc.) não geram a riqueza da empresa em seu trabalho, é o trabalho do professor quem fideliza os pais dos alunos pagantes.

Ao pagar o mesmo valor por hora-aula e aumentar o número de alunos em sala de aula, aumentar o número de formas de avaliação, disponibilizar alunos de inclusão em sala de aula normal sem apoio de especialistas, entre outras exigências, amplia o trabalho do professor sem o pagamento proporcional, gerando maior lucratividade do empresário.

O projeto do capítulo 4, provisoriamente intitulado “Mais-valia relativa”, deverá investigar o progressivo desenvolvimento da tecnologia digital e seu impacto no trabalho docente, desde a preparação de aulas, elaboração de atividades avaliativas até preenchimento de diários de classe digitais. Deveremos observar como essas novas tecnologias facilitaram ou aumentaram o trabalho do professor. Diante disso, deveremos analisar com cuidado se o pagamento de horas – atividade conforta essa demanda por mais trabalho ou apenas se a tecnologia ampliou o trabalho sem correspondência salarial para o professor, resultando em maior ganho para o capitalista.

O projeto do capitulo 5, que poderá ser intitulado “Exploração do Trabalho e Luta de Classes”, serão analisados alguns momentos em que, ao longo da trajetória de trinta anos, os professores tiveram ampliação ou redução do salário nominal, quando aceitaram acordos coletivos com menores ganhos, os ganhos que ampliaram o salário indireto, quando entraram nos serviços de proteção ao crédito, entre outros pontos que diagnosticam as consequências para o professor de sua exploração no trabalho.

Essa pesquisa poderá abrir caminho para o entendimento da relação capital -trabalho nos decênios que antecederam às mudanças liberais ocasionadas pela Globalização do Capitalismo.

1 André Aparecido Bezerra Chaves possui Licenciatura Plena, Bacharelado, Mestrado em História Social, é doutorando pelo PPGHE - Programa de Pós-Graduação em História Econômica do DH – Departamento de História da FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Universidade de São Paulo. Professor Efetivo de História da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo e da Rede Particular. É escritor membro da ALGRASP - Academia de Letras da Grande São Paulo, Cátedra n⁰ 6 cujo patrono é Machado de Assis.

2 Constituição da República Federativa do Brasil de 15 de março de 1967 in http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm acessado em 31/03/2019.

3 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 in http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm acessado em 31/03/2019.

4 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

5 CLT – Consolidação das Leis do Trabalho in http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/ 535468/clt_e_normas_correlatas_1ed.pdf acessado em 31/03/2019.

6 II - Sindicatos de Empregados: (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 09-12-76, DOU 10-12-76) a) assistência jurídica; b) assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica; c) assistência à maternidade; d) agências de colocação; e) cooperativas; f) bibliotecas; g) creches; h) congressos e conferências; i) auxílio-funeral; j) colônias de férias e centros de recreação; l) prevenção de acidentes do trabalho; m) finalidades desportivas e sociais; n) educação e formação profissional; o) bolsas de estudo.

7 - Sindicatos de Empregadores e de Agentes Autônomos: (Redação dada pela Lei nº 6.386, de 09-12-76, DOU 10-12-76) a) assistência técnica e jurídica; b) assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica; c) realização de estudos econômicos e financeiros; d) agências de colocação; e) cooperativas; f) bibliotecas; g) creches; h) congressos e conferências; i) medidas de divulgação comercial e industrial no País, e no estrangeiro, bem como em outras tendentes a incentivar e aperfeiçoar a produção nacional; j) feiras e exposições; l) prevenção de acidentes do trabalho; m) finalidades desportivas.

8 Estatuto Social do Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul – SINPRO ABC in https://www.sinpro-abc.org.br/images/documentos/2010/estatuto/ estatuto-sinpro-abc-2010.pdf

9 RINGER, Fritz K. Educação e Sociedade 1820 – 1890 no Capítulo 1 – Os Antecedentes Sociais e Institucionais in O Declínio dos Mandarins Alemães, São Paulo, Edusp, 2000, pp. 39 – 54; BEN – DAVID, Joseph Capítulo 7 – A Hegemonia Científica Alemã e o Aparecimento da Ciência Organizada in O Papel do Cientista na Sociedade, São Paulo, Edusp/Livraria Editora Pioneira, 1974, pp. 151 -195; CHAVES, André Aparecido Bezerra Capítulo 2 – Rudolf Von Ihering e suas Preocupações in A Revista da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro: uma proposta para a Identidade Jurídica Nacional Brasileira, São Paulo, Editora Biblioteca 24 horas, pp. 57 – 63.

10 HOBSBAWM, Eric J. A perspectiva governamental in Nações e Nacionalismo desde 1870, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1990, pp. 101 – 120.

11 MARX, Karl O Capital – Crítica da Economia Política – Volumes 1 e 2 – O Processo de Produção do Capital – Coleção Os Economistas, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1985, p. 240.

12 BARBOSA, Wilson do Nascimento Uma teoria marxista dos ciclos econômicos in COGGIOLA, Osvaldo (Org.) Marx e Engels na História, São Paulo, Editora Humanitas, 1998, pp. 8 – 9.