AS EDIÇÕES COMUNISTAS NO BRASIL: A EDITORIAL VITÓRIA E SEUS EDITORES

 

Vinícius Juberte (PPGHE-USP)1

 

INTRODUÇÃO

O artigo pretende apresentar alguns apontamentos acerca da produção editorial do PCB (Partido Comunista Brasileiro), a partir de sua principal editora, a Editorial Vitória, presente no universo editorial e político brasileiro de 1944, ano de sua fundação, até 1964, ano de seu fechamento em decorrência do golpe-civil militar daquele ano. Para isso, destacaremos a ação de alguns militantes que tiveram papel importante na editora, como diretores e editores. São eles: Leôncio Basbaum, Salomão Tabak e Henrique Cordeiro.

De início, vale ressaltar como a História do Livro e da Edição pode auxiliar na análise do movimento comunista, tanto internacional quanto nacional. A história do livro apontou as potencialidades de análise deste objeto do ponto de vista tanto econômico quanto político. Segundo Roger Chartier, o livro carrega desde sua origem um caráter duplo de mercadoria e veículo cultural.2 Em O Aparecimento do Livro de 19583 é demonstrado como o livro se colocou como o “fermento” não só de um novo ramo da economia, mas também como o veículo por excelência da difusão das ideias a partir de seu aparecimento.

Desde o surgimento da imprensa, bem como da técnica que permitiu a produção do papel4, o livro impresso se tornou o principal suporte utilizado para a difusão da informação, trazendo consigo toda uma nova estrutura que além de agir no campo das ideias, agia também no campo econômico. O livro enquanto mercadoria fez surgir o que chamamos de economia do livro, conformando assim um novo ramo de produção, com grandes tipografias construídas para suprir uma demanda que só aumentava, e já organizadas pela divisão do trabalho do capitalismo moderno5, marcando consideravelmente também o campo político. É o que observamos no processo de difusão das ideias da Reforma Protestante, principalmente as de Lutero, da Contrarreforma católica e do ideal do Humanismo que começava a se expandir.

A partir disso, podemos refletir sobre o livro enquanto objeto para a difusão das ideias comunistas no curso do século XX, levando em conta como a questão editorial sempre foi um elemento central das atividades de Agitação e Propaganda, a chamada agitprop. Já nos anos de 1890-1900, no momento inicial da consolidação do movimento operário russo, Lênin compreendia ser essencial para o operariado a divulgação das ideias de Marx e Engels. Para o líder bolchevique, não havia separação entre os diversos trabalhos que competiam à militância do partido: trabalho teórico, de propaganda, de organização e agitação. Segundo ele, a agitação, ligando a teoria à prática, deveria organizar as massas em torno das palavras de ordem bolcheviques.

Entre 1905 e 1907, o partido russo, por indicação do próprio Lênin, cria seus primeiros periódicos e organizações para a venda de livros, sendo muitas dessas obras trabalho do próprio líder comunista.6 Pouco tempo após a Revolução de Outubro de 1917, a concepção da agitprop por parte dos bolcheviques se modifica, sendo que agora não basta apenas divulgar a doutrina marxista, o foco após o triunfo revolucionário deve ser tornar o comunismo construído concretamente na Rússia compreensível para os trabalhadores do mundo todo7.

A partir de então, surgem em Moscou as primeiras brochuras em francês, língua mais falada no mundo a época, intituladas Édition du Groupe Communiste Français, Notes sur la révolution bolchevique (octubre 1917-juillet 1918) e Une nouvelle lettre. Em Genebra, uma série editada pela Unions Ouvrières, tem por título Éditions Françaises Concernant la Russie des Soviets, todas com o intuito de divulgar o caráter e os ideais da Revolução para o Ocidente.

Em 1919, com a fundação da Terceira Internacional, a produção de livros com o intuito de quebrar o bloqueio de informações sobre o caráter da Revolução é sistematizada. Em Petrogrado, surgem as Éditions de l’Internacionale Communiste, que divulgam além dos livros de Lênin, Trotski, Zinoviev, as resoluções do Primeiro e Segundo Congressos da Internacional Comunista. No mesmo ano surge L´Internacionale Communiste, Organe Officiel du Comité Executif de l ´Internacionale Comunniste, publicada simultaneamente em russo, francês, alemão e inglês, procurando potencializar o alcance das publicações para um maior número de países e de leitores8. Dessa maneira, fica claro como os revolucionários russos acreditavam na irradiação da Revolução através dos livros, tornando a organização de suas publicações prioridade no momento de consolidação da via revolucionária para a tomada do poder pela classe operária, e de Moscou como o centro organizador dessa ação.

No Brasil, os livros marxistas só passam a circular de fato após a Revolução de Outubro, seguindo a lógica de difusão de livros pela Internacional Comunista apontada anteriormente. Nesse primeiro momento, além dos livros publicados em francês pela IC, o país tem outro polo de influência que é o Partido Comunista Argentino, que desde 1918 passa a editar a literatura marxista em espanhol. Mas a difusão no Brasil só irá se sistematizar a partir de 1922, com a fundação do PCB.9

O movimento comunista que vinha se fortalecendo no país desde a Revolução de Outubro de 1917 passa a se concentrar em uma mesma organização, em um partido de caráter revolucionário. Segundo João Quartim de Moraes, foi uma característica peculiar do Brasil o fato de aqui o comunismo ter precedido o marxismo como corrente política, sendo que este apenas entrou na luta política através daquele, após a consolidação do PCB.10

No momento de fundação do partido, as fontes marxistas existentes no Brasil eram variadas, baseando-se em literatura vinda da Rússia ou da França, sendo que as publicações marxistas brasileiras dos anos 1920 continuarão intrinsecamente ligadas ao movimento editorial francês, responsável pela formação de uma geração inteira de comunistas nos países de língua latina.11 Nesse momento, Argentina e Espanha também tem grande influência sobre o movimento comunista brasileiro no que concerne ao campo editorial, ainda que de forma secundária se comparados à França.

Nesses primeiros anos de existência, de 1922 a 1930, o PCB teve escassas publicações próprias, devido a debilidades financeiras e de caráter organizacional, não mantendo nem mesmo uma editora própria. Muitas vezes o esforço de distribuir livros para a militância, nesse período, foi de caráter pessoal do próprio secretário-geral do partido, Astrojildo Pereira.12 Nos anos 1930 a situação muda, com a radicalização da esquerda mundial devido à crise de 1929, e no caso específico do Brasil em reação a Revolução de 1930. Esse desenvolvimento é interrompido devido à repressão ao PCB após o Levante Comunista de 1935 e a instauração, em 1937, do Estado Novo, fazendo com que a literatura marxista editada no Brasil praticamente desaparecesse.13

As edições de livros marxistas no Brasil só serão retomadas nos anos 1940, mais especificamente em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, com a aliança antifascista e o esforço de guerra da URSS. Nesse contexto, as editoras passam a reeditar muitas das obras lançadas nos anos 1930. Em 1945, com o fim da guerra e do Estado Novo, o PCB retorna à legalidade e passa por um processo de reorganização de suas atividades, adotando a linha política de “coexistência pacífica” ditada por Moscou no pós-Segunda Guerra, passando finalmente a organizar também as suas próprias editoras. Segundo Edgard Carone:

“O súbito arrebatamento do movimento provoca reação das classes dirigentes que, neste momento pós-guerra, ficam impedidas de negar o papel do PCB e o esforço da URSS no conflito europeu. A época de intolerância e incompreensão parecia distante e tudo levava a crer que dentro do atual sistema democrático brasileiro houvesse lugar para a participação da esquerda comunista. Ainda mais, o esforço da CNOP e, a partir de 1945, a própria posição oficial do partido demonstrou que sempre realçaram o papel da burguesia nacional, mostrando que o país deveria desenvolver-se sem grandes convulsões. Esta política, denominada de Coexistência Pacífica, marca a posição do partido desde 1943, momento em que, no plano internacional, Stalin dissolve a III Internacional, gesto de boa vontade com os seus aliados de guerra.”14

A primeira editora ligada ao PCB nesse período foi a Editorial Calvino Limitada, estudada pelo autor na dissertação de mestrado O PCB e os Livros: A Editorial Calvino no período da legalidade do partido nos anos 1940 (1943-1948)15. A editora era de propriedade do editor, médico, jornalista e militante José Calvino Filho, personagem bastante presente na vida intelectual do Rio de Janeiro nos anos 1930 e 1940.16

Durante o seu período de existência (1941-1948) a Calvino foi responsável pela retomada da difusão da literatura marxista no Brasil, principalmente a partir de 1943. Dessa forma, a editora teve como foco da sua linha editorial a publicação de livros de divulgação da URSS, antifascistas e da teoria e doutrina marxista-leninista. Nesse tempo foram lançadas cinco coleções, com 88 livros, sendo 70 deles de literatura marxista e antifascista. Em 1948, aparece Zé Brasil de Monteiro Lobato, que acaba sendo a última publicação da Editorial Calvino, que desaparece em meio a repressão do governo Dutra aos comunistas, após o PCB ser colocado na ilegalidade mais uma vez.17

Segundo a historiadora Tânia Regina de Luca, houve a circulação simultânea de várias edições de Zé Brasil. As primeiras foram lançadas em 1947 pela Editorial Vitória, sofrendo com a repressão política do governo Dutra. Foram apreendidos 1180 exemplares de 7000 que se encontravam para a venda em São Paulo. A edição sob responsabilidade da Editorial Calvino Limitada sai apenas em 1948, encontrando a mesma dificuldade com a censura governamental. 18

Por fim, a experiência bem-sucedida do editor Calvino Filho, leva o partido a organizar novas editoras a partir de 1944, investindo de forma maciça na construção do seu aparato político-cultural a partir de 1945, quando a sua legalidade é conquistada. O PCB procura expandir a sua produção editorial de forma tanto quantitativa quanto qualitativa, e divide entre cada editora a tarefa de publicar livros de uma determinada natureza (teoria, doutrina, organização partidária, literatura proletária, etc). Dessa forma, surgem por iniciativa própria do partido as Editoras Leitura, Horizonte e Vitória, esta última se tornando a mais importante editora do PCB até 1964.

Sobre essas editoras, podemos observar algumas tendências: a Leitura se volta para edição de romances, editando Marx e Engels apenas nos anos 1960; a Horizonte divulga obras dos militantes do PCB, de temas políticos gerais e de teoria; a Vitória tem um catálogo mais amplo, com romances, literatura sobre a guerra e livros de formação ideológica. A Horizonte desaparece em 1947, a Leitura publica poucos livros, enquanto isso a Vitória passa a ter um movimento editorial de caráter excepcional pelo seu número e variedade, tendo como destaque, por exemplo, a coleção Romances do Povo, dirigida por Jorge Amado. A Vitória ainda retomará a edição das obras de Marx e Engels, além dos clássicos do marxismo-leninismo.19

 

EDITORIAL VITÓRIA: LINHAS GERAIS DE UMA HISTÓRIA POLÍTICA E EDITORIAL

A Editorial Vitória foi fundada em maio de 1944, tendo sido incumbido para essa tarefa o militante Leôncio Basbaum. Ele era membro da direção do partido e com experiência prévia em empresas, inclusive do setor editorial, tendo trabalhado na Guanabara e na Livraria Freitas Barros, e fora também diretor das Lojas Brasileiras, empresa de seus irmãos20.

Segundo ele, a editora foi fundada como uma sociedade de cotas, com capital de 170 mil cruzeiros, sendo que até 1947 constavam entre os sócios da Editorial Vitória quatro irmãos de Leôncio (Adolfo, Artur, José e Salomão), além de José Augusto Simões, Osório Borba e Tulim Marques de Azevedo, entre outros, sendo quatorze cotistas no total. O maior capital era de Leôncio, seguido por seus irmãos. Com base nessas informações podemos observar que apesar de a editora se configurar desde o início como uma empresa de capital aberto, ela mantém um caráter de empresa familiar, dado o predomínio de Leôncio e seus irmãos em seu comando, nessa primeira fase de consolidação dos anos 1940, que se dá de 1944 a 1947.

Essa prática de deixar a cargo dos militantes inúmeras tarefas que envolviam o nome e o dinheiro desses era comum para o PCB, já que o partido, clandestino, não tinha a possibilidade de registrar seu patrimônio como pessoa jurídica, costume que permaneceu, ao que tudo indica, por motivos de segurança, mesmo no período de legalidade. Pensando na relação entre o partido e a editora, segundo o historiador Flamarion Maués, a Editorial Vitória, durante a sua existência de vinte anos (1944-1964), teve uma direção oficial e outra “subterrânea”, que de fato comandaria a editora.21

No entanto, como afirma Maués, por ser a editora notoriamente ligada ao PCB, seria normal que o partido determinasse a sua linha editorial e participasse da decisão sobre as suas publicações. Além disso, o partido procurava manter certo sigilo sobre a ligação com a editora, devido a condição de clandestinidade do mesmo a partir de 1948. Todavia, isso não significava que a direção oficial da editora não tivesse poder decisório na sua direção política e administrativa.22 Em 1949, a Vitória já havia alcançado o porte de uma empresa média, com 9 funcionários trabalhando em seu escritório, incluído um gerente.

Sobre essa questão, o sociólogo Sérgio Micelli define da seguinte forma o porte das editoras no mercado brasileiro, segundo o programa de lançamentos de cada uma: editoras de pequeno porte: de 21 a 60 títulos; de médio porte: de 61 a 150 títulos; de grande porte: de 151 a 250 títulos. Se levarmos em conta o levantamento de Maués sobre o número de livros publicados pela Editorial Vitória, essa em 1949 chegava a 56 títulos, logo, pelo critério de Micelli, focado na questão editorial e não na estrutura empresarial, seria uma editora de pequeno porte. 23 Essa estrutura ainda cresceu no início dos anos 1960, já que além da sede no Rio de Janeiro, a editora também abriu um escritório em São Paulo nessa mesma época.24

Durante esse período de 1945 a 1964, as edições comunistas terão o seu melhor momento, seja pelo número de obras, seja pela qualidade das mesmas. Escritores marxistas como Caio Prado Jr., Leôncio Basbaum e Nelson Werneck Sodré despontarão nesse período, e mesmo as obras do PCB passarão a ter um caráter mais crítico e menos oficial. Esse momento que é o mais amplo e produtivo das edições comunistas no Brasil foi interrompido pelo golpe civil-militar de 1964, com o fechamento das editoras comunistas, o que significou uma grande mudança no caminho histórico do marxismo no Brasil.25

 

SALOMÃO TABAK E HENRIQUE CORDEIRO: A EDIÇÃO COMO MILITÂNCIA

Na pesquisa aqui proposta, se coloca como um dos desafios o de reconstruir a história da Editorial Vitória. Um caminho possível é o método de análise dos itinerários políticos-intelectuais desses militantes editores, considerados figuras de segunda ou terceira ordem dentro das estruturas partidárias, como faz o historiador Horácio Tarcus no seu livro Marx en la Argentina26. Citarei aqui dois exemplos de diretores/editores da Vitória: Salomão Tabak e Henrique Cordeiro.

Segundo biografia lançada pela Revista Ciência e Cultura de março de 1973, Salomão Tabak nasceu na Rússia em 1923. Se formou em Química na Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil em 1944 e Bioquímica pela Faculdade Nacional de Filosofia em 1958. Fez o seu doutoramento na Universidade Lomossonov de Moscou, na qual também foi estagiário obtendo o título de doutor em 1964, sendo o mesmo reconhecido pela FFCL da USP em 1967. Fez ainda cursos de especialização no Imperial College of Science and Tecnology de Londres nos anos 1960. Foi Regente da Cadeira de Química da FFCL de Araraquara de 1966 até 1971, alcançando a livre docência em 1967. Pertenceu ao The Chemical Society de Londres, a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência e da Associação Brasileira de Química.

Em relatório do DEOPS/SP de 19/01/1970, consta que Tabak foi professor da Universidade Patrice Lumumba na URSS, segundo o documento “conhecido centro de convergência e treinamento de agentes subversivos provenientes de toda parte do mundo”. O mesmo documento ainda cita que a Faculdade de Química de Araraquara era uma “escola superior isolada, mantida pelo Estado e um dos maiores focos de agitação comunista sob a liderança de conhecidos “mestres”.

Segundo o investigador, estava claro que se tratava de um agente cuidadosamente treinado para agir no setor universitário dentro de uma linha de procedimento paralelo: de um lado um respeitável professor de alto padrão cultural, sólida formação científica e intensa participação nas diferentes modalidades da área escolhida: publicação de trabalhos, regência de cátedras, atuação em congressos, etc. Do outro lado, o trabalho subversivo tecnicamente organizado.

O agente do DEOPS ainda aponta como fato incontroverso que Tabak agira de forma subversiva antes e depois de sua ida a URSS, o que se comprovava pelo fato de no ano de 1948 o mesmo já aparecer como militante comunista exercendo a função de gerente da Editorial Vitória, “órgão camuflado” para a distribuição de literatura marxista, segundo o documento.

Tabak foi preso pela polícia em 1949. Tendo se declarado comunista desde 1945, participou da célula Josefina Tavares do PCB no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro. Consta ainda que no momento da prisão o engenheiro-químico portava abundante “material de propaganda comunista”, ao que tudo indica, livros. O militante ainda é caracterizado como um quadro importante do partido, tendo sido responsável pelo setor de finanças, difusão de literatura e propaganda.

Por fim, o investigador considera muito estranho o posicionamento dos alto escalões da FFCL de Araraquara ao aceitar Salomão Tabak como professor, dado o fato de ter ascendência russa e um histórico enquanto militante comunista. E termina lamentando o fato de a Secretaria de Educação não ter equacionado o problema da subversão nos quadros do ensino público sob sua jurisdição, fazendo vista grossa para a ação de “agitadores” nas escolas do estado, que além de tudo ganhariam altos salários pagos com o dinheiro público.

Tabak ainda aparece como articulista no jornal Voz Operária de 08 de setembro de 1949 com um texto sobre o que ele chama de Conferência de Araxá, uma reunião entre representantes do empresariado brasileiro e norte americano, para segundo ele, discutir as teses que mais interessavam ao imperialismo para a exploração do Brasil. Se mostra uma constante o fato dos militantes ligados a direção das editoras do PCB também desenvolverem essa função de comentaristas da política cotidiana nos jornais do partido, vide que o mesmo também ocorreu com José Calvino Filho, editor e diretor da Editorial Calvino.

Outro diretor da Vitória que se destaca é Henrique Cordeiro. Nos anos 1940, a presença de Cordeiro nos jornais do partido se faz recorrente, pois ele foi um dos organizadores da Liga de Defesa Nacional, grupo que procurava arregimentar a sociedade civil para o esforço de Guerra. Esse mesmo grupo também foi responsável por uma série de auxílios aos soldados brasileiros da FEB (Força Expedicionária Brasileira) antes e depois do embarque para a Europa.

Cordeiro é destaque em entrevista ao jornal Tribuna Popular, de 30 de janeiro de 1945, intitulada 300 Mil Exemplares de Livros e Folhetos Destinados a Educar Politicamente o Povo. O jornal destaca a recente fundação de duas editoras do partido, a Horizonte e a Vitória, tendo como diretor da primeira o próprio Henrique Cordeiro, e da segunda, outro militante do partido, Almir Neves. Segundo a matéria, as editoras são voltadas para a divulgação de livros marxistas, dos continuadores e discípulos de Marx, e apesar de modestas, estariam naquele momento alcançando cifras impressionantes de vendagem.

A respeito, diz Henrique Cordeiro: “Os dois primeiros discursos de Prestes e seu informe político já atingiram um total de 300.000 volumes que foram distribuídos entre Rio, São Paulo e demais estados, sem levar em conta que se fizeram edições em várias capitais. Somente o discurso do Pacaembu chegou a 150.000 mil exemplares. Não preciso dizer mais nada. Realmente as cifras são impressionantes para um país de 45 milhões de habitantes mas que possui 75% de analfabetos e onde as maiores tiragens só raramente atingem 5.000 exemplares.”

Na entrevista ainda são destacadas as vendagens de outros livros como Duas Táticas, Esquerdismo: A doença Infantil do Comunismo e Que Fazer? de Lênin e O Marxismo e o Problema Nacional e Colonial de Stalin. Por fim, uma exaltação da edição a ser lançada naquele momento do livro História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS, contendo, além da opinião do próprio editor, falas de dirigentes proeminentes do partido como Arruda Câmara, João Amazonas e do próprio secretário geral, Luís Carlos Prestes. Todos ressaltam como é imprescindível a leitura do livro, fundamental para o conhecimento da história da URSS, do papel destacado de Stalin enquanto líder e do marxismo-leninismo.

Vale ressaltar o quanto essas falas e mesmo o número de exemplares citados pelos editores tinha uma função clara de propaganda das edições do partido, ainda mais se tratando de um jornal voltado, em grande medida, para a própria militância comunista e seus simpatizantes. Por fim, Henrique Cordeiro ainda aparece nos jornais da época ligado a uma figura proeminente do Partido na área cultural: Mário Lago, casado com sua filha, Zeli Cordeiro, desde meados dos anos 1940.

Enfim, no presente artigo procuramos abordar um aspecto da pesquisa sobre a Editorial Vitória, referente aos seus diretores/editores, que antes mesmo de ocuparem essa função específica já eram militantes do Partido. Usando como método a análise dos itinerários políticos-intelectuais desses militantes editores, considerados figuras de segunda ou terceira ordem dentro das estruturas partidárias, pretendemos demonstrar como esse caminho pode abrir duas possibilidades para a pesquisa: a construção de uma história mais ampla do PCB, para além das figuras de proa já exaustivamente estudadas (como Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella, entre outros), contemplando a construção cotidiana das estruturas partidárias e seu funcionamento, além de permitir a reconstrução e a análise da história da própria editora e o desenvolvimento da sua linha editorial a partir das linhas políticas partidárias, ação mediada por esses militantes, tão caros ao aparato político-cultural do Partido no seu dia a dia.

 


1 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Econômica da FFLCH/USP.

2 Roger Chartier, Daniel Roche, O Livro: Uma mudança de perspectiva. Em: Jacques Le Goff, Pierre Nora (org.), História: Novos Objetos, Rio de Janeiro, 1986, p.109.

3 Lucien Febvre, Henri-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, São Paulo, Unesp, 1992.

4 Lucien Febvre, Henri-Jean-Martin, op.cit., p.22-23.

5 Lucien Febvre, Henri-Jean Martin, O Aparecimento do Livro, p.192.

6 A. Pankratova. Lênin Como Propagandista. Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, nº 26 , Maio de 1950. p.2.

7 A. Pankratova, op. cit., p.2

8 Edgard Carone, O Marxismo no Brasil – Das Origens a 1964, em: Lincoln Secco, Marisa Midori Deaecto (org.), Leituras marxistas e outros estudos, São Paulo, 2004, p.36.

9 Edgard Carone, O Marxismo no Brasil, p.39.

10 João Quartim de Moraes. A Influência do Leninismo de Stálin no Comunismo Brasileiro, em: João Quartim de Moraes, Daniel Aarão Reis (org.), História do Marxismo no Brasil, volume 1, Editora Unicamp, Campinas, 2007, p.134.

11 Edgard Carone, op.cit., p.45.

12 Edgard Carone, op. cit., p.62

13 Edgard Carone, op.cit., p.67.

14 Edgard Carone. O PCB (1943-1964), p.5.

15 Vinícius de Oliveira Juberte. O PCB e os Livros: A Editorial Calvino no período da legalidade do partido nos anos 1940 (1943-1948). Dissertação de mestrado. FFLCH/USP, 2016.

16 Vinícius de Oliveira Juberte. op.cit., p. 14.

17 Vinícius de Oliveira Juberte. op.cit., p. 157.

18 Tânia Regina de Luca. Zé Brasil em perpectiva: contexto de produção e circulação, em: Marisa Lajolo (org.). Monteiro Lobato, livro a livro (obra adulta), pp.370-372.

19 Edgard Carone. op.cit., p.69.

20 Flamarion Maués. A Editorial Vitória e a Divulgação das Ideias Comunistas no Brasil (1944-1964), em: Marisa Midori Deaecto, Jean-Yves Mollier (org.). Edição e Revolução: Leituras Comunistas no Brasil e na França. Cotia/SP:Ateliê Editorial/ Belo Horizonte/MG: Editora UFMG, 2013, p.124.

21 Flamarion Maués. op. cit., p. 125.

22 Flamarion Maués. op. cit., p. 126.

23 Sérgio Micelli. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). pp.79-84.

24 Flamarion Maués. op.cit. p. 126.

25 Edgard Carone. op.cit., p.70.

26 Horácio Tarcus. Marx en la Argentina: sus primeiros lectores obreros, intelectuales y científicos, p.11.