Dimensões da Periferização em Sorocaba-SP (1980-2018):

A Produção do Bairro Wanel Ville e Reprodução de Práticas Socioespaciais Segregacionistas

 

Vinícius Felipe da Costa1 (PPGGEO/UFSCar - Campus Sorocaba)


INTRODUÇÃO

Apresenta-se neste trabalho o resultado de esforço teórico para construção de uma categoria de análise e um recorte espacial que culminaram na escolha do bairro Wanel Ville, zona oeste da cidade de Sorocaba - SP. Tal estudo, resultante de reflexões no programa de pós graduação, se utilizou de uma importante teoria do espaço proposta pelo grande professor Milton Santos, para organizar uma metodologia de análise do uso do território na cidade de Sorocaba e as contradições da racionalidade corporativa que, através da urbanização, organiza os espaços de produção e de reprodução do capital, mas não apaga as práticas sócio espaciais entre sujeitos e instituições que buscam por sobrevivência ou por garantia de seus direitos constitucionais através de formas organizadas de luta e resistência territorial.

Aproveita-se para salientar e agradecer a contribuição ao andamento deste trabalho e ao desenvolvimento da pesquisa proporcionada pelo benefício da bolsa de estudo DSCAPES no período de março de 2018 a janeiro de 2019.

A cidade de Sorocaba está localizada no sudoeste do Estado de São Paulo, a 96 km da capital. Em 2014, foi formalizada através da emenda aglutinativa nº 4 ao PLC 01/2014 como polo de uma região metropolitana: a Região Metropolitana de Sorocaba composta por 27 municípios2.

Por tratar-se de uma cidade onde se localizam diversos empreendimentos e instituições que atuam em nível mundial - como o Grupo Schaffler (indústria automobilística), o Instituto de Tecnologia FIT (produção de softwares), a Ihara (indústria de insumos agrícolas), a Decathlon (multinacional de comércio de produtos esportivos), o Wallmart (empresa multinacional de supermercados), entre outros - Sorocaba participa de diversas redes globais e tem sido reorganizada de diferentes formas para desenvolver instrumentos que permitam sua integração numa divisão territorial do trabalho pautada na produção do meio técnico científico informacional. Dessa maneira, a cidade acompanhou o modelo de urbanização brasileiro das cidades médias impulsionado pela industrialização e a implantação de infraestrutura necessária para o atendimento dos circuitos globais de produção. Sobre isso, M. Santos (1993, p. 35-36) propõe que:

Esse meio técnico-científico (melhor será chama-lo de meio-técnico-científico-informacional) é marcado pela presença da ciência e da técnica nos processos de remodelação do território essenciais às produções hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico para sua realização. A informação, em todas as suas formas, é o motor fundamental do processo social e o território é, também, equipado para facilitar a sua circulação.

A imagem abaixo representa a totalidade do município e sua localização no território estadual.

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Considerando-a como totalidade a ser compreendida dentro do fenômeno de urbanização ampliado a partir do processo de desconcentração industrial da capital paulista (Lencioni, 2003)3 - impulsionado de forma significativa pelo projeto de industrialização tardia para os países do chamado terceiro mundo - tê-la como cidade média do interior paulista ou cidade de porte médio, resguardada sua importância regional e a magnitude das práticas cotidianas de seus habitantes, é suficiente para se lançar ao conhecimento das imbricações entre projetos urbanísticos e o enfrentamento das desigualdades sociais no espaço.

Não é possível dar início à explicação de um objeto ou de um recorte sem se deparar com a imbricação de dois importantes paradigmas evidenciados no período atual de desenvolvimento dos estudos geográficos: a concepção de produção do espaço e o uso do território enquanto categoria de análise geográfica, onde os maiores expoentes seriam, respectivamente, Lefebvre e Milton Santos. Sem a promessa de um esmiuçamento fidedigno de suas obras, procura-se expor aqui as intersecções dos pensamentos dos autores, as possibilidades que emergem da relação entre as duas formas de conceber o espaço geográfico e uma proposta analítica construída a partir de um estudo de caso.

Para Lefebvre (2006), o espaço social é produto das relações dentro da sociedade, resultado de conflitos de interesses entre agentes e forças produtoras. Mas para a apreensão do espaço seria necessário a compreensão de sua tríplice dimensão dialética – o espaço percebido, o espaço concebido e o espaço vivido. A dimensão do concebido é também das representações do espaço. Essas representações “são penetradas de saber (conhecimento e ideologia) sempre relativo e em transformação. Abstratas, elas entram na prática social e política” (ibidem). Seria também a dimensão da dominação, onde o espaço torna-se dominante numa sociedade onde os signos são elaborados intelectualmente.

A dimensão do espaço percebido é a dimensão da prática social, onde existe coesão entre produção e reprodução dentro de uma realidade concreta e específica de um momento do tempo e uma localização geográfica. Para Tonucci Filho (2017, p. 3), essa prática no período do neocapitalismo “associa a realidade cotidiana (o emprego do tempo) e realidade urbana (os percursos e redes ligando os lugares separados do trabalho, da vida “privada” e dos lazeres)”.

O espaço vivido, ou seja, o espaço de representação seria a dimensão linguística do espaço, onde as imagens e os símbolos evidenciam a dominação dos sujeitos que, por sua vez, usam da imaginação para tentar modificar e apropriar. Esses espaços tenderiam para um sistema de símbolos e signos não verbais (Lefebvre, 2006, p. 66).

É possível compreender que tal tridimensionalidade do espaço reúne e organiza os elementos que o compõe em suas diferentes formas: materiais e mentais. Lefebvre propõe então que a tríade concebido-percebido-vivido se constitua como um instrumento de apreensão da concretude das relações em sociedade, onde o espaço é fator fundamental para tal apreensão, pois exprime o resultado de relações construídas ao longo do tempo e secreta novas relações que transformam o espaço, tornando-o instrumental, sendo então condição e resultado para a reprodução das relações sociais.

É possível notar que tal tridimensionalidade exige a reflexão sobre o tempo no processo de produção do espaço social, pois, segundo o autor, o tempo e o espaço são categorias indissociáveis e por isso devem sempre ser concebidas de forma associada. O tempo aparece então de forma assimétrica ao se observar cada dimensão do espaço: as representações do espaço, por exemplo, que constituem uma idealização racional do espaço (tal qual o urbano) e das relações dentro da sociedade, com hegemonia das representações propostas pelas empresas e impostas pelo Estado, se processa num tempo acelerado, parecendo estar sincronizado com o tempo que os agentes decisórios planejam para cumprimento de seu objetivo; já os espaços de representação, segundo Lefebvre, se processam no nível do cotidiano, no vivido, onde ocorre o tempo de reprodução da vida humana e também da apropriação dos lugares pelos indivíduos, pois os fatos e os eventos que marcam o dia a dia vão de pouco em pouco constituindo memórias e aprendizagens que afetam a criação de ideias, de ações, de lutas, de emoções e de sentimentos pelos lugares; já o espaço percebido é a mediação entre esses dois tempos (temporalidades?), onde estão contidas as diversidades de consciências, ideologias e formas de alienação que constituem práticas dentro do espaço, essas práticas se realizam sobre uma materialidade construída são animadas tanto pela representações hegemônicas do espaço quanto pelas representações construídas ao nível do vivido. Dessa maneira, compreende-se que exista uma imbricação entre diferentes tempos, mas mais importante do que isso é notar que a perspectiva Lefebvriana possibilita pensar uma imbricação entre diferentes relações de poder. Isso será tratado mais adiante.

Na obra original de 1996 ,“A Natureza do Espaço” (2009), Santos propõe uma teoria unitária do espaço geográfico, realizando uma organização de conceitos que constitui um rol de categorizações e instrumentos de análise oriundos de uma análise ontológica do espaço. Considerando o espaço como “sistemas de objetos e sistemas de ações”, fica evidente que o autor também concebe o espaço como instrumental aos desígnios de atores decisórios, ou “agentes hegemônicos”, cujo poder sobre os hegemonizados depende da atuação do Estado e das firmas, havendo assim a existência de elementos espaciais materiais e imateriais na composição do espaço. Já em 1988, na obra “Metamorfoses do Espaço Habitado”, Santos explica que:

O espaço deve ser considerado com um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, seja a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente, da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento. As forma, pois têm um papel na realização social. (p. 10)

Compreende-se então que para Santos e para Lefebvre o espaço contém multiplicidade de formas que são constituídas por um sistema de relações sociais, essas formas são também instrumentos de reprodução das relações - mediadas pelo trabalho, as formas contidas no espaço servem de referência ou condição para a construção de novas intencionalidades nas ações e nas disposições dos objetos.

A ideia da tridimensionalidade do espaço lefebvriano deve permitir lugar para os sistemas de objetos e sistemas de ações de Santos, pois se entrelaçam no sentido das práticas espaciais, pois essas dependem de objetos e dependem de ações, no entanto são animadas por concepções de espaço, que são também concepções de vida, são realizadas em meio a redes de fixos e fluxos4 organizados segundo interesses hegemônicos – o Estado e as corporações – mas são afetadas também por múltiplas relações de poder sobrepostas dentro do território que destroem rapidamente antigas formas e antigas referências.

Outro entrave se dá na empiricização do espaço e do tempo pelos autores supracitados. O método regressivo-progressivo de Lefebvre (1979), para a ocasião desta análise, se completa com uma solução viável para a mediação entre tempo e espaço proposta por Santos dentro da geografia: o uso da técnica como meio de “empiricização do tempo, tornando-o material” (Santos, 1996, p. 33). Segundo Santos:

A técnica entra aqui como um traço de união, historicamente e epistemologicamente. As técnicas, de um lado, dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham. Então, essa empiricização pode ser a base de uma sistematização, solidária com as características de cada época. Ao longo da história, as técnicas se dão como sistemas, diferentemente caracterizadas. (ibidem)

Acredita-se assim que a relação sistêmica de objetos e ações ganha uma completude maior quando inserida na dialética do concebido, percebido e vivido do que quando entendida como estruturante de justaposições de “psicosferas” e “tecnosferas” animadas por uma “racionalidade invasora” (Santos, 1994, p. 42)5. Será que a própria ideia de psicosfera e tecnosfera poderia compor o conceito de espaço social de Lefebvre? Parece um caminho tortuoso a conjugação desses conceitos, ainda que o próprio Milton Santos tenha dito, a respeito das “lições que o tempo das metrópoles inspira”, que:

Falta aperfeiçoar a metodologia adequada, na qual, certamente, categorias opostas e complementares, como as de tecnoesfera e psicoesfera, terão relevância. Essas duas esferas se influenciam reciprocamente, ou, conforme nos ensina Ana Clara Torres Ribeiro, a psicoesfera pode criar as condições sociais para a aceitação da tecnoesfera. (ibidem)

Aventura-se, nesta oportunidade, de uma dialetização à tecnosfera: às práticas (sócio) espaciais são ações que envolvem objetos respectivos de sua função, técnicos portanto, mas escapam a lógica e a exatidão de uma concepção técnico-racional. Para Lefebvre:

A prática espacial “moderna” se define, portanto, pela vida cotidiana de um habitante de HLM no subúrbio, caso-limite e significativo; o que não autoriza negligenciar as auto-estradas e a aero-política. Uma prática espacial deve possuir uma certa coesão, o que não quer dizer uma coerência (intelectualmente elaborada: concebida e lógica). (2006, p. 65)

Denota-se que a produção do espaço urbano enquanto instrumento de reprodução do capital, oferece a cidade como mercadoria e a sua apropriação se realiza pelo valor de troca. Entretanto, a incapacidade de grande parte da população em participar dessa dinâmica de acesso à cidade e a fragmentação do espaço para controle do uso do solo por parte dos agentes detentores de um maior poder de transformação, fazem parte de uma lógica de reprodução da sociedade neoliberal onde a tendência à segregação física dos objetos e dos sujeitos impelem um esfacelamento e uma “dissolução das relações sociais”6 (ibidem, p. 34) – servindo adequadamente para uma relação de dominação e hierarquização cada vez maior entre as classes e os grupos dentro da sociedade. Este é o problema na sua ordem mais abrangente, e para apreendê-lo de forma concreta existe a necessidade de torna-lo o mais empírico e menos abstrato possível. No entanto, como evidencia Tonucci Filho (2017, p. 8):

A triplicidade espaço percebido- concebido-vivido procura dar conta de abarcar a multiplicidade característica do espaço social, mas não pode ser reduzida a categorias de análise do real. Assim, há uma impossibilidade epistemológica de se transformar os insights teóricos de Lefebvre em categorias formais de análise que serviriam para segmentar e cartografar o espaço social.

Dessa maneira, recorre-se ao trabalho de Santos e Rogério Haesbaert para a operacionalização da análise através de categorias especificamente geográficas, onde o primeiro, considerando suas inúmeras contribuições para o pensamento geográfico, evidencia a tendência de totalidade do espaço geográfico enquanto instância social e a necessidade de subdividi-lo para entendimento dos fenômenos que alcançam diferentes escalas, e o segundo, igualmente notório, detalha processos de produção de territórios e territorialidades para o entendimento das relações de poder na sociedade.

Santiago (2016, p. 5), em sua obra sobre “O Pensamento Geográfico como Totalidade Viva e Complexa em Reclus”, evidencia como o pensador já buscava a noção de “espaço produzido” e processo, para assim conduzir sua perspectiva rumo a “dialética existente nas relações entre a sociedade e a natureza e à necessidade de constante reformulação do conhecimento científico, para dominar e entender o espaço em que vivemos”. Segundo De Lira (2018, p. 793), Vidal de La Blache contribuíra, dentre tantas maneiras, com a ideia de “relatividade do fe­nômeno regional em que cada território se insere em totalidade-mundo por uma situação e graus de inserção específicos”. Nesses dois pensamentos descritos, a ideia de totalidade encontra no espaço geográfico um meio menos abstrato para consolidação de um sistema geral onde se inserem todos os fenômenos observáveis. Objeto de interesse já nas “antigas filosofias sejam elas classificadas como materialistas ou transcendentais/idealistas” (Santiago, 2016, p. 1).

Porém, é com Milton Santos que essa ideia ganha uma maior coerência e adequação ao afirmar que:

Cabe, sem dúvida, ao geógrafo propor uma visão totalizante do mundo, mas é indispensável que o faça a partir de sua própria província do saber, isto é, de um aspecto da realidade global. Para isso, a primeira tarefa é a construção de uma filosofia menor, isto é, uma metageografia que ofereça um sistema de conceitos capaz de reproduzir, na inteligência, as situações reais enxergadas do ponto de vista dessa província do saber. A primeira tarefa, sem a qual o requisito da pertinência não será atingido, é bem circunscrever o nosso objeto de trabalho. (Santos, 1996, p. 73)

Assim, concorda-se com o autor supracitado em “partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste período da globalização”, e assim possibilita-se examinar a efetividade das relações entre uma totalidade empírica do mundo e uma totalidade empírica dos lugares. Caberia ainda “revisitar o movimento do universal para o particular e vice - versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho como uma mediação indispensável”.

Essa ideia vai ao encontro com a proposta metodológica de Serpa (2006, p. 13) sobre recortes espaciais na pesquisa geográfica onde duas perguntas se revelam contundentemente importantes: Quais recortes poderiam favorecer a visibilidade das propriedades globais de um determinado fenômeno? Quais favoreceriam a observação das propriedades locais deste mesmo fenômeno?

Bem, se o problema em sua ordem mais abrangente se apresenta no sentido da fragmentação do espaço para torna-lo funcional, na dissolução das relações sociais e na desigualdade das práticas sócio espaciais que ligam os homens entre si, e essa é a vertente elencada do fenômeno urbano que se busca apreender em sua totalidade, interessa compreender esse mesmo fenômeno numa escala de observação local onde o plano do vivido é iluminado pelas práticas sociais cotidianas. Daí o interesse na análise do bairro Wanel Ville enquanto projeto ou programa habitacional de um determinado período da urbanização de Sorocaba. Pois a escala do bairro proporciona um recorte espacial que evidencia fragmentações tanto no seu conteúdo, quanto em sua forma; tanto no seu interior, quanto no seu entorno com outros bairros e, em circunstâncias mais complexas, com a cidade de Sorocaba-SP.

A aproximação com o local e a escolha da categoria de análise do Território busca atender ao pressuposto de observar as relações de poder, hierarquização, homogeneização e fragmentação de forma mais factual, tendo a visão e os posicionamentos dos sujeitos como ponto de partida para a elaboração de métodos de pesquisa. É oportuno lembrar que, segundo Serpa (ibidem):

“(...) os recortes mais abstratos vão favorecer e dar visibilidade à informação estruturante, aos dados agregados, aos fenômenos latentes e à tendência à homogeneidade e ao “modelo”, enquanto os recortes mais concretos vão valorizar a informação factual, os dados individuais ou desagregados, os fenômenos manifestos e a tendência à heterogeneidade.

Assim, cabe dizer agora quais seriam os conceitos a serem escolhidos para compor a “constelação”7 teórica que permitirá o entendimento dos dados a serem trabalhados na pesquisa. O recorte deverá permitir a aplicação dos conceitos para atendimento dos objetivos construídos a partir de uma escolha de categoria de análise que é também, portanto, a escolha de um paradigma como base referencial.

CONSTELAÇÃO DE CONCEITOS E A CATEGORIA DE ANÁLISE

Sabendo que a difusão generalizada dos processos de produção do espaço urbano é instigante foco de estudos dentro da geografia, percebe-se a necessidade de organizar dados empíricos e concepções teóricas que possibilitem a análise da urbanização contemporânea em suas mais diversas qualidades, ou ainda, “um modo possível de pensar a cidade” (Carlos, 2004, p. 11). Esse modo possível de pensar a cidade que considera processos que se realizam em escala mundial acaba por, inevitavelmente, esbarrar nos pensamentos a respeito da atuação do modo de produção capitalista que, segundo Corrêa (1989, p. 10) faz do espaço urbano “um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaço”. Essa produção e consumo se dão por “agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato”.

Sobre esses agentes sociais concretos, Corrêa organiza-os da seguinte forma: os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os proprietários latifundiários; os promotores imobiliários; o Estado e os grupos sociais excluídos. Deixando evidente que a atuação destes agentes “se faz dentro de um marco jurídico que regula atuação deles. Este marco não é neutro, refletindo o interesse dominante de um dos agentes.” (ibidem).

A ideia de urbanização corporativa elucida a série de transformações ocorridas na cidade de Sorocaba a partir da segunda metade do século XX em função da desconcentração industrial da capital paulista para o interior, como a chegada da Rodovia Raposo Tavares (1954) e da Rodovia Castelo Branco (1967) (Zimmermann, 1992, p. 151). Esses eventos dão início a uma fase de urbanização onde os eixos viários, bem como as áreas de habitação, são conformados e orientados pela presença das rodovias que são a materialização das necessidades empresariais de escoamento de produtos para a capital e para o litoral.

A dinâmica criada na cidade de Sorocaba a partir da disputa de forças produtoras desses agentes sociais exemplifica o pensamento de Santos onde “a prática da modernização legitimada pela ideologia de crescimento”, cria no território os “equipamentos” e as “normas indispensáveis à operação racional vitoriosa das grandes firmas, em detrimento das empresas menores e da população como um todo” (Santos, 2008 [1993], p. 104). A questão da moradia aparece como algo particularmente conflituoso nesse processo, pois é uma demanda que se cria com o aumento dos postos de trabalho do setor industrial, mas é atendida com pouca atuação do Estado quando este, na realidade, ao invés de promover regulações e oportunidades para a classe trabalhadora, que busca efetivar o seu direito de morar, passa a transferir a responsabilidade para o setor privado de habitação, que por sua vez, realiza obras e serviços insuficientes para as necessidades das classes subalternas, mas eficientes para a otimização do espaço e obtenção de lucro através da venda e do aluguel de imóveis. Possibilita-se, assim, um plano racional que é premeditadamente produtor de desigualdades.

Uma questão aparece como grande importância para a compreensão dos processos em análise: a racionalidade dos agentes produtores do espaço. Realizando um breve mergulho na história do pensamento científico das ciências humanas, percebe-se que o paradigma que sustenta a ideia de racionalidade tem como principal fundamento os escritos de Max Webber e os instrumentos criados por seus seguidores que permitiram a espacialização e geografização de suas ideias. Para Milléo (2007, p. 58), uma importante contribuição de Webber para a Geografia se dá no uso do conceito de racionalidade enquanto a “submissão das esferas socais aos critérios de decisão nascidos a partir da lógica capitalista”. Sendo essa “uma modalidade específica de agir caracterizada por sua instrumentalização com vista a determinados fins funcionais a essa lógica” 8. Dessa forma, é possível entender que as classes subalternas seriam, então, conformadas pela lógica da modernização e capitalização do território através de concepções e práticas que colocam o domínio do conhecimento técnico como o instrumento fundamental do poder de decisão. As indústrias e as construções de promotores imobiliários, como condomínios e loteamentos, são produtos materiais desse domínio do território pela lógica da modernidade e do conhecimento técnico. A paisagem urbana vai se desenhando ordenada e controlada – causando “desencantamento” dos grupos hegemonizados frente à magnitude deste “mecanismo causal” e desta “reprodução intelectual” do discurso hegemônico.

É por esse caminho que Santos irá desenvolver ainda mais a relação indissociável da racionalização das práticas dentro do território com o domínio da técnica para produção do espaço. Segundo o autor (1996, p. 14) é “graças aos progressos técnicos e à aceleração contemporânea” que os territórios dividem-se entre “espaços da racionalidade” e “outros espaços”. Assim, “o meio técnico-científico” mantém um “conteúdo de racionalidade” onde a “intencionalidade na escolha dos objetos”, bem como sua localização, é “funcional aos desígnios dos atores sociais capazes de uma ação racional”9.

Infere-se, portanto, que se existem sistemas técnicos utilizados por agentes hegemônicos estruturados a partir de sistemas de objetos e ações, deve existir também sistemas técnicos utilizados por agentes hegemonizados como forma de reprodução da vida. Havendo ainda a possibilidade de ser interpretados como forma de resistência ou formas de dominação. Seria o fenômeno da “vizinhança solidária” (carinhosamente apelidada por alguns de vigilância solitária10) um exemplo? Contudo, é notável como é fato o uso dos produtos da atividade técnica nas relações socio espaciais e a criação de redes e relações de poder através do uso desses objetos no território.

Indica-se como hipótese que o território usado exporia em seu processo as faces de novas forças que emergem em contraposição às forças dominantes do mercado e do Estado, explorando seus limites e transformando o território urbano, principalmente das grandes cidades dos países industrializados. Segundo Santos (2000, p. 59) uma boa parcela da humanidade estaria incapaz de “obedecer leis, normas, regras, mandamentos e costumes derivados dessa racionalidade hegemônica”. Eis então que surgem lugares “ilegais”, “irregulares”, “informais”.

No entanto, o uso do território, considerando o emprego desigual de forças produtivas, permite pensar a necessidade de criação de um mecanismo que fortaleça o poder dos “usuários” (Lefebvre, 2006) ou dos agentes hegemonizados, que atuam sem poder de decisão frente a racionalidade da configuração territorial proporcionada pelo Estado e pelas corporações, sem a proteção dos riscos criados pela ampliação e intensificação do processo de urbanização e também sem o controle das decisões que tornam justo e democrático o processo de planejamento urbano. Nesse contexto surge a necessidade de se pensar o Direito à Cidade. Apesar de críticas sobre a ideia de rebeldia na obra “Cidades Rebeldes” de David Harvey (2013) e de críticas também realizadas em “O direito à cidade” de Henri Lefebvre (2001) por sua questionável tradução, frequentemente esse caminho tem sido utilizado como a possibilidade da criação de um instrumento de análise das formas de resistência, lutas e reivindicações praticadas por movimentos sociais e de grupos não organizados em busca de acesso a direitos básicos mínimos necessários à vida urbana, à vida nas cidades. A pesquisa realizada através da metodologia aqui organizada não busca levantar uma bandeira política e fundamentar-se em preceitos ideológicos fechados, em modelos políticos ou ainda em modismos acadêmicos com motivações diversas. Mas para servir, audaciosamente, como um instrumento de análise de sistemas de objetos e de ações que encontram um ponto em comum: a necessidade de representações do espaço e de espaços de representação para o funcionamento de certas práticas sociais dentro dos lugares, sendo o direito à cidade um tipo de representação, ou até mesmo de concepção que impõe de alguma forma um espaço que está em luta por uma colocação dentro dos circuitos de decisão. Segundo Harvey (2013, p. 19):

(...) la cuestion de que tipo de ciudad queremos no puede separarse del tipo de personas que queremos ser, el tipo de relaciones sociales que pretendemos, las relaciones con la naturaleza que apreciamos, el estilo de vida que deseamos y los valores esteticos que respetamos. El derecho a la ciudad es por tanto mucho mas que un derecho de acceso individual o colectivo a los recursos que esta almacena o protege; es un derecho a cambiar y reinventar la ciudad de acuerdo con nuestros deseos. Es, ademas, un derecho mas colectivo que individual, ya que la reinvencion de la ciudad depende inevitablemente del ejercicio de un poder colectivo sabre el proceso de urbanizacion. La libertad para hacer y rehacernos a nosotros mismos y a nuestras ciudades es, como argumentare, uno de los mas preciosos pero mas descuidados de nuestros derechos humanos. Como podemos entonces ejercerlo mejor?

O fato do Direito à Cidade ser um conceito permite também que ele seja tomado como instrumento de reivindicação, pois representa uma concepção de espaço que se apoia de forma coerente nos sistemas de relações entre objetos e ações. Resistindo, de alguma forma, às concepções hegemônicas dos agentes poderosos urbanizadores representantes do mercado financeiro e do Estado.

Harvey (2013, p. 22) explana ainda que existe uma dupla conexão entre o processo de urbanização e o desenvolvimento do capitalismo: produção e absorção. O mercado financeiro aloca investimentos para produção de capital excedente e para isso necessita da urbanização e da mediação do Estado. No entanto necessita também da urbanização para absorção do sobreproduto criado. O espaço urbano se torna meio de produção e de absorção do capital excedente, uma relação insustentável na medida em que as relações de consumo podem encontrar seus limites em determinados momentos de crise, criando assim uma série de problemáticas dentro do território. Problemáticas que se configuram de várias formas: pela mobilidade, pela distribuição de recursos, pela distribuição da miséria e da riqueza, pela exclusão de certos lugares, pela desvalorização de localidades, pela representação enganosa de espaços e de indivíduos.

O direito à cidade poderá servir como um devir, uma concepção que está em processo de construção e depende, fundamentalmente, da contribuição dos diversos grupos existentes no território, principalmente os que se encontram em graves situações de risco ou vulnerabilidade socioespacial. Assim, a escolha do bairro Wanel Ville como recorte espacial se dá devido a concretude de seu processo de produção como projeto de urbanização, como programa habitacional, como concepção de espaço. No entanto os sistemas existentes dentro do bairro permitiram a produção de relações justas e democráticas para todos os sujeitos e os grupos que ali vivem? As perguntas podem ser desdobradas de várias formas, mas terá sempre como pano de fundo a urbanização e as relações sociais existentes. Como podemos melhorá-las?

Estaria a pesquisa, então, interessada na análise das relações territoriais de poder que mediam o acesso ou a dificultação do direito à cidade ou na análise do processo de urbanização e a produção de formas de organização espacial? Os dois. Compreender o processo de urbanização e a constituição de relações que conformam as práticas socioespaciais tem como propósito a captação das problemáticas existentes no território e as possibilidades de solução, mitigação ou mediação.

Será uma oportunidade de compreender como, por exemplo, os fragmentos do espaço urbano se encaixam tanto nas redes de poder entre agentes hegemônicos e hegemonizados, quanto nas redes de poder de pequenos grupos que só se iluminam no plano do lugar, do cotidiano. Segundo Botelho (2007, p. 17), Lefebvre compreenderia a segregação socioespacial como produto de um processo tríadico de homogeneização, fragmentação e hierarquização do espaço.

Considerando a homogeneidade presente na concepção de planejamento do bairro Wanel Ville e as suas atuais fragmentações (como dentro dos condomínios onde existem barreiras e divisões “visíveis e invisíveis”), estaria o processo de urbanização apontando para uma fase de esfacelamento e dissolução das relações num nível ainda mais desenvolvido? Como conceber esse fragmento do território que apresenta relações assimétricas de poder e práticas tão distintas, compreendidas em alguns casos como forma de resistência na cidade, mas que, possivelmente, não é articulado por frentes politizadas de luta e resistência pelo acesso à moradia? Ou seriam ações politizadas sem a intenção de ser?

As respostas para esses questionamentos deverão vir na forma de um produto resultante de uma metodologia construída para considerar as dimensões concretas e abstratas do espaço, revelando como a produção e o consumo material do espaço suporta e conforma as relações sociais em constante processo de fragmentação. Não se busca nesse momento dar respostas fechadas sobre os problemas destacados, mas apontar de forma propositiva um caminho teórico a se seguir para a construção de respostas. Isso se fará agora pela exposição dos elementos que permitem considerar o bairro Wanel Ville como recorte de um estudo de caso que analisa o processo de produção do meio técnico científico informacional e as imbricações com os interesses das classes subalternas, produzindo lugares fragmentados e territorializados que são positivos ou negativos para a racionalidade corporativa, da mesma forma que positivos ou negativos para a construção de uma teoria ampla sobre o Direito à Cidade.

A EXPANSÃO PERIFÉRICA DE SOROCABA – O DESPERTAR DE INTERESSE SOBRE A ZONA OESTE

Para Comitre (2017, pag. 782), a “ocupação da periferia em Sorocaba se concentrou, primeiramente, na porção noroeste da cidade”, onde o surgimento de lotementos, sempre realizados depois de “espaços vazios”, dava início à forma de novos bairros como o Parque Esmeralda, o Central Parque e o Wanel Ville, hoje lugares que podem ser considerados como centrais da região oeste do município. O mapa de Celli (2012) permite a representação desse processo de expansão que atingia a todas as regiões da cidade, ainda que desigualmente.

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Imagem 1.

Crescimento de Sorocaba – 1962 a 1981- Expansão da Zona Oeste
Fonte: Adolfo Frioli, 2004; Prefeitura De Sorocaba, 2011
Elaboração: Andressa Celli, 2012.

Zimmerman (1992) explica que a ampliação do sistema viário para áreas mais distantes do centro convergiram para o “espraiamento da cidade”, influenciando no surgimento de áreas formadas por “loteamentos de baixa renda e conjuntos habitacionais, estabelecidos a sudeste, nordeste e noroeste” (Celli, 2012, pag. 124).

Assim, acredita-se que o olhar para a questão da produção das moradias na cidade de Sorocaba a partir de 1990 até os dias atuais permitiria observar o momento de transição do cenário de incorporação imobiliária pelo “autofinanciamento e financiamento e provisão estatais” (contexto em que a incorporadora Batec constrói os condomínios Residencial Ipatinga e Parque dos Eucaliptos) até o extremo onde no Brasil há “inexistência de financiamento e provisão de moradia para a grande maioria da população” (Botelho, 2007, p. 15). Dessa forma, a regressão, apoiada pela empiricização do espaçotempo através da técnica, será capaz de analisar o local dentro de um contexto regional suficientemente abrangente para consolidar os períodos de produção e consumo material do espaço urbano da cidade de Sorocaba.

Mesmo o bairro Wanel Ville, dentro de um específico período de acumulação capitalista, divide-se em períodos de tempo ou “fases”, em que a própria nomenclatura revela o início da produção de cada etapa: Wanel Ville I, II, III, IV e V. A fotografia abaixo representa o início de sua produção, onde a tendência nacional de residência das elites locais: os condomínios e loteamentos murados e verticalizados, localizados sobretudo na região leste sorocabana11. São apresentadas pelo Plano Local de Habitação de Interesse Social de Sorocaba – Etapa III (05/2011) da seguinte forma:

A organização territorial de Sorocaba apresenta nítidos contornos sócioeconômicos. Nesta divisão, até a década de 1990 observou-se que as regiões mais próximas do centro antigo, em áreas com infraestrutura e equipamentos públicos, estava concentrada a população de maior renda, enquanto que ao norte do município, de maneira mais acentuada nos limites do território municipal, concentrava-se a população de menor renda. Ainda nos anos de 1990, surge uma tendência de formação de conjuntos habitacionais, ocupados por população de média e alta renda, que segregavam o acesso ao espaço intracondominial e urbano.


 

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Foto 1.
Zona Oeste de Sorocaba – Bairro Wanel Ville
Fonte: Isalberto Boff, Secretaria de Edificações e Urbanismos – SEURB, 2016
Organização: Vinícius Felipe da Costa

Para M. Santos (2005, p. 112), esses conjuntos habitacionais levantados com o dinheiro público, mas por firmas privadas, são ofertados para as classes médias baixas e para os pobres que, não por acaso, passam a ocupá-los nas periferias urbanas, devido os preços mais acessíveis dos terrenos. Contudo, esse movimento especulativo dos imóveis acaba por agravar a tendência ao espraiamento e a periferização da população menos privilegiada.

Nas fotos 2, 3 e 4 apresentadas a seguir, registradas por veículos de mídia no final dos anos 90, observa-se a precarização da infraestrutura viária do bairro Ouro Fino e Wanel Ville em contraste com a implantação da Avenida General Osório, bem como a desocupação de comunidades que habitavam essa área .Essa situação esclarece a sobreposição dos interesses do mercado sobre as necessidades da população em práticas espaciais rápidas e coercitivas para os grupos expulsos de suas moradias.

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Foto 2.
Avenida Elias Maluf ainda não pavimentada, moradores do Ouro Fino e Wanel Ville reclamavam da poeira.
Fonte: Aldo V. da Silva, Jornal Cruzeiro do Sul, 05 de julho de 1998.

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Foto 3.
Início do Prolongamento da Avenida General Osório.
Fonte: Wilson Munhos, Jornal Cruzeiro do Sul, 08 de maio de 1999.


 

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Foto 4.
Desapropriação de casas para prolongamento da Av. General Osório
Fonte: Adival B. Pinto, Jornal Cruzeiro do Sul, 23 de junho de 1999.

A imagem abaixo representa os períodos de produção de novas moradias do bairro e a configuração atual dessas formas espaciais.

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Figura 2.
Periodização da Evolução do Bairro Wanel Ville em Sorocaba – SP
Base cartográfica: Google Earth
Elaboração: Vinícius Felipe da Costa

No entanto, o processo de progressão do método, no intuito de revelar a produção da tríade dialética de homogeneização, fragmentação e hierarquização, não terá a técnica como único elemento de empiricização, mas caberá impor a “prática social” como o elemento que iluminará o plano do vivido dentro de um fragmento do território, o bairro Wanel Ville. Possibilitando assim, espera-se, a compreensão da produção de símbolos, normas, identidades, conflitos, relações etc. capazes de explicar os determinantes do processo de segregação socioespacial no interior e no exterior do lugar de interesse da análise.

As fotografias a seguir ajudam a identificar elementos contraditórios na paisagem que servem de referência inicial para a busca de relações contiguas, horizontais e territorializadas dentro do lugar, onde as histórias contidas nessas formas revelam práticas políticas ou culturais realizadas por sujeitos comuns através de formas de comunicação e organização diversas.


 

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Foto 5.
Vista da rua lateral do condomínio Residencial Ipatinga.
Fotografia: Luck Oliveira e Vinícius Felipe da Costa

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Foto 6.
Supermercado e mercado do bairro Wanel Ville I.
Fotografia: Autor desconhecido (à esquerda) Vinícius Felipe da Costa (à direita)

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Foto 7.
Padarias do bairro Wanel Ville I
Fotografia: Autor desconhecido (à esquerda) Vinícius Felipe da Costa (à direita)

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Foto 8.
Franquias de fast food no bairro Wanel Ville I
Fotografia: Vinícius Felipe da Costa

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Foto 9.
Barbearias no bairro Wanel Ville I (à direita) e II (à esquerda)
Fotografia: Vinícius Felipe da Costa

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Foto 26.
Manifestação organizada por moradores e vereadores pelo atraso na inauguração do posto de saúde do Wanel Ville – “Aniversário de não-inauguração”, 2009.
Fonte: www.vereadorfranca.com.br

Acredita-se no potencial desse procedimento construído, na medida em que permanece dialogando com as ideias de Lefebvre (1979, p. 241) sobre o método dialético onde esse se revela como “rigoroso (já que se liga a princípios universais)” e, ao mesmo tempo, “o mais fecundo (capaz de detectar todos os aspectos das coisas, incluindo os aspectos mediante os quais as coisas são ‘vulneráveis à ação’)”. Compreende-se, dessa forma, que a apreensão do real é, evidentemente, subjetiva, porém, encontra na coesão dos conceitos e dos métodos a adequação necessária para a construção de meios de interpretação, representação e transformação do real, ou de forma menos eloquente, a cidade e suas possibilidades para o futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Dissertação: Andressa Celli. Evolução urbana de Sorocaba. Diss. Universidade de São Paulo, 2012.

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__________, Henri; COUTINHO, Carlos Nelson. Lógica formal, lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

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Artigo: José Carlos Milléo. Geografia e indicadores sociais: buscando o estabelecimento de bases para uma aproximação mais fecunda. GEOgraphia, v. 9, n. 18, 2007.

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Artigo: João Phelipe Santiago. O Espaço Geográfico como Totalidade Viva e Complexa em Reclus. Terra Brasilis (Nova Série). Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, n. 7, 2016.

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Artigo: Marcos Aurelio Saquet. Por uma abordagem territorial. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, p. 73-94, 2009.

Artigo: Ângelo Serpa. O trabalho de campo em geografia: uma abordagem teórico-metodológica. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, v. 1, n. 84, p. 7-24, 2006.

Livro: Marcelo José Lopes de Souza. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. Geografia: conceitos e temas. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, p. 77-116, 1995.

Artigo: João Bosco Moura Tonucci filho. Espaço e território: um debate em torno de conceitos-chave para a geografia crítica. Revista Espinhaço| UFVJM, p. 41-51, 2017.

Livro: Gustavo Zimmermann. A região administrativa de Sorocaba. FUNDAÇÃO SEADE; SPG. Cenários da urbanização paulista: Regiões Administrativas. São Paulo, 1992.

1 Graduado em Geografia – Licenciatura pela Universidade Federal de São Carlos e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia pela mesma instituição.

2 Os municípios que compõem a Região Metropolitana de Sorocaba são: Alambari, Alumínio, Araçariguama, Araçoiaba da Serra, Boituva, Capela do Alto, Cerquilho, Cesário Lange, Ibiúna, Iperó, Itapetininga, Itu, Jumirim, Mairinque, Piedade, Pilar do Sul, Porto Feliz, Salto, Salto de Pirapora, São Miguel Arcanjo, São Roque, Sarapuí, Sorocaba, Tapiraí, Tatuí, Tietê e Votorantim. Com mais de 2 milhões de habitantes, a região constitui 4,6% da população do Estado (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – EMPLASA, 2016). Fonte: Subsecretaria de Assuntos Metropolitanos do Estado de São Paulo.

3 A autora analisa o processo de desconcentração industrial de São Paulo e demonstra que a transferência de indústrias da capital para o interior do estado ocorre principalmente a partir da década de 60.

4 Para Santos (1994, p. 17) os fixos (objetos) e os fluxos (ações) representam uma “quinta dimensão do espaço”. No entanto sua ideia de sistema de objetos e ações não encontra nos fixos e fluxos uma noção maior de poder. Fixos e fluxos remontam com maior coerência as relações materiais entre os objetos e as redes de circulação.

5 No capítulo III – Sistemas de objetos e sistemas de ações – o autor explica que os sistemas de objetos são instrumentos criados pelo homem para ser “a fábrica da ação”, nesse sentido a relação objeto e ação é uma dialética coerente animada pela racionalidade dos agentes hegemônicos que buscam um controle total dos sistemas técnicos existentes. Assim os objetos e as ações tendem a uma unicidade, a uma racionalização dotada de intencionalidade das empresas e do mercado financeiro e animadas por “discursos”. Parece, dessa maneira, haver um grau de mecanização e tecnificação tão bem acabados que os discursos parecem se equivaler à burocracia mecânica que Bauman traz em algumas de suas obras (2004; 2007; 2008), uma automação que retira de certa forma a diversidade de relações de poder que constituem os discursos que animam os objetos e as ações. A ideia de concepção, de representação do espaço, onde cabem os desígnios de diversas ideologias, mas com a soberania do neoliberalismo, da sociedade movida pelo produto. As representações são mais do que discursos, são diferentes linguagens, arquitetos, urbanistas, artistas. Músicos? Celebridades? Jornalistas?

6 Segundo Carlos, “a sociedade urbana em constituição”, assistimos “à tendência à dissolução das relações sociais que ligam os homens entre si e as relações entre os homens e seus objetos” (2004). Isso implica na reformulação de valores de uso e nos próprios valores das relações no seio da sociedade urbana.

7 (Haesbaert, 2014).

8 Milléo diz ainda que “há, por exemplo, segundo Weber, um progressivo desencantamento do mundo advindo da sua reprodução intelectual, com a consequente tendência em observar tudo como um mecanismo causal, passível de ser controlado racionalmente.” (2007, p.58). Assim, acredita-se que a racionalidade do modo de produção capitalista ganha força e se sobrepõe às classes subalternas através do domínio do conhecimento técnico e da capacidade de transformação pelo uso de meios de controle, como a tecnologia.

9 Como exemplo dessas intencionalidades na escolha e na localização dos objetos tem-se as indústrias e os condomínios em áreas periféricas das cidades, criados dentro de lógicas de deslocamento e de valorização do espaço urbano.

10 Práticas comunitárias de criação de redes virtuais entre pessoas que acompanham os movimentos e acontecimentos cotidianos do bairro, principalmente para rápidas ações contra assaltos e furtos dentro dos locais.

11 Como explana Rizzatti (2014, p. 29) “Nas duas últimas décadas (1990-2010) ganha destaque nacional o discurso ideológico diretamente ligado à dinâmica imobiliária da cidade e rapidamente incorporado pelas elites locais: os condomínios e loteamentos murados distantes da malha urbana.”