A MADEIRA COMO MATRIZ ENERGÉTICA NA INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO PAULO, PRESERVAÇÃO DE FLORESTAS E A PRODUÇÃO DE INSUMOS RENOVÁVEIS NA CIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX

 

Natasha Tsiftzoglou (PPGHE/USP)1

 

Antes do uso da água como matriz energética brasileira, o que moveu o processo de industrialização e urbanização de São Paulo foi a madeira. E foi preciso usar muita madeira: a floresta brasileira nativa praticamente inteira, a qual chamamos de floresta primária; e quase toda a floresta secundária, que é a floresta renascida, a qual chamamos de capoeira. Sabemos que a urbanização demandou recursos naturais para se consolidar no espaço, mas é necessário perscrutar as dimensões espaciais e econômicas dessa demandas, para entender de que forma resultaram na quase completa extinção da floresta atlântica brasileira.

Urbanização e industrialização são processos correlatos, um se explica no outro (Seabra, 2015)2. A indústria é o motor da modernização capitalista e gera situações profundamente complexas na relação homem-natureza diante da produção do espaço construído. A base do processo de modernização é a inovação e capitalização da ciência, da pesquisa científica, transformada em tecnologia – advento que caracteriza segunda revolução industrial.

O domínio ou bioma Mata Atlântica estende-se por 1.306.000 km², o que representa 15% do território nacional. Abarca 17 Estados Brasileiros, configurando um mosaico de Ecossistemas associados que outrora foi um contínuo de mata. Mas apesar de atualmente encontrar-se reduzida de sua área original3, ainda exerce influência direta em 80% da população sob seu domínio. Atua na regulação do fluxo e qualidade das águas dos mananciais; as florestas de sua mata são provedoras de alimentos e insumos florestais, garantem a permeabilidade e fertilidade do solo, regulam o clima, sequestram CO², protegem escarpas e encostas de serras, controlam ocorrência de doenças, além de abrigar o patrimônio histórico e cultural do país.

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Figura: Mata Atlântica Brasileira. Legenda: área original (amarelo) e remanescente (verde). Fonte: ARROMBA, et. al,2012.

De acordo com a ONG SOS Mata Atlântica (Rocha e Feldman, 2006)4, em 1850 o Estado de São Paulo possuía 80% do seu território coberto por floresta nativa, índice que cai para 18% em 1950. Os autores atribuem tal situação aos impactos de um século de atividade cafeicultora, e depois, à introdução dos automóveis movidos à gasogênio – combustível originado da queima de carvão vegetal, durante a Segunda Guerra Mundial. Porém havia outros gargalos da vida coletiva e privada que demandavam intenso e incessante uso da madeira, conforme será visto adiante.

A redução da biomassa florestal para cinzas tinha muitas vantagens para além da viabilização logística do comércio: tornava a agricultura mais fácil, gerando clareiras com solos altamente férteis, sem a necessidade de animais de tração, arado e estercos. Essa facilidade estimulou a prática agrícola itinerante que ocorreu nos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, do algodão e do café, todos dentro da floresta atlântica, “saltando” de terreno em terreno, arrasando regiões inteiras com as respectivas monoculturas.

São Paulo não possuía jazidas de petróleo e carvão. As hidrelétricas já existiam, mas não representavam nem ¼ da economia paulista5. A principal fonte energética foi, por muitas décadas, a madeira das florestas subtropicais. No planalto, o transporte da madeira de lei era difícil e caro – então as matas eram queimadas para serem utilizadas em cinzas: 700m³ por ha de floresta, equivaliam à cerca de 5,4bi de toneladas de carvão.

A Madeira de Lei (ou original da floresta atlântica) – tem alta densidade e, portanto, alto valor calorífico. À partir dos danos fornecidos por Warren Dean (1986 ver nota 5), se 850kg de madeira de lei equivaliam à 450kg de carvão = 5.100 kJ; 1m³ seco de madeira de lei equivalia à 1.200 kg, o que corresponde à 635,2 kg de carvão em cinzas, que quando transformado em energia, geravam 7.198 kJ6.

A floresta nativa, quando desmatada ou queimada, renasce como capoeira, ou floresta secundária. Leva cerca de 100 anos para atingir sua estatura média. Nesse renascimento, ela perde densidade, resultando em madeiras mais moles e sem o mesmo potencial energético. Ainda segundo Dean, a queima de 100 a 300m³ por hectare de área de capoeira, equivaliam a 40 milhões de toneladas de carvão. Dessa forma, o rendimento da capoeira, por m³ seco era de 400kg, que resultavam em cerca de 211,7kg de carvão em cinzas, gerando potencial calorífico de 2.399 kJ o que significa pouco mais de 30% do rendimento de potencial energético da madeira da floresta nativa.

Nas legislações da Colônia e do Império, as matas pertenciam aos donos dos terrenos. Na República, a mata sem dono era responsabilidade do Estado que continuava a manter o sistema de alienação de posse e não tinha direitos sobre as propriedades privadas. Reservas privadas eram comercializáveis. O recenseamento agrícola de 1905 indicou 6,9 milhões de hectares em matas e capoeiras, ao passo que, o recenseamento de 1934 indicou 7,9 milhões. Mas o crescimento não foi dentro das reservas privadas, nestas, as florestas caíram de 57 para 37% entre 1905 e 1934. Razão: expansão do cultivo do café e procura interna de produtos agrícolas. A área cultivada aumentou de 67 mil ha por ano, quase 20mil km² em 29 anos, totalizando 45 mil km² (Dean,1986, ver nota 5).

Essa atividade de extração da lenha, transformação em carvão e comercialização das cinzas, configurava um mercado importante desse tempo, ainda que esquecido pelas estatísticas. Fazendeiros vendiam as matas para as fábricas como recurso para sanar dividas. Empreiteiros volantes, pequenos sitiantes e organização do corte e confecções dos balões - pilhas de madeira, cobertas com terra, queimadas com fogo lento. Dean afirma que essa atividade econômica chegou a ter 76 mil trabalhadores, 7,5% da mão-de-obra masculina ocupada na agricultura. E também que se o consumo de energia das 2.2 milhões de pessoas que viviam em 1900 em São Paulo fosse igual ao dos ingleses, na mesma época, “estariam garantidos por mais de quinhentos anos, só com o aproveitamento de suas madeiras”.

Das atividades industriais que consumiam a lenha, podemos destacar, em primeiro lugar, as olarias, que eram cerca de 1200 unidades no ano de 1903; depois as caieiras e cervejarias, em segundo lugar. Para além dessas, também dependiam de lenha os processos produtivos da cana-de-açúcar; das fábricas de cimento; vidrarias; tinturarias; curtumes; torrefação de café e mandioca; das fábricas de sabão; velas; conservas; fósforo e vestuário. Entre 1901 e 1907 caiu o preço do café, dificultando à compra do carvão em pedra importado, o que fez com as estradas de ferro dependessem totalmente da lenha para alimentar os motores à vapor das locomotivas. Nessa época têm-se os registros dos primeiros motins contra as estradas de ferro por causa do aumento das tarifas para a população. Após 1930, com a implantação das indústrias de metalurgia e siderurgia, para a produção de 1 tonelada de ferro gusa, era necessário 12m³ de lenha em carvão vegetal, um total de 6.400ha ao ano. Em 1949, o consumo chegou a ser de 3,9 milhões de m³ de lenha. O mercado interno de madeira de lei até 1920 era restrito, caro e difícil por causa do custo do transporte. Serrarias paulistas, com capacidade pequena usavam Peroba, Cedro e Cabreúva. Na construção civil a madeira era mais utilizada para postes telegráficos e os dormentes dos trilhos. Após 1920, com o surgimento do caminhão e serraria móvel, houve um melhor aproveitamento de madeiras finas antes da queimada das florestas. Em suma, o consumo industrial de lenha, chegou, em 1950, à 20 milhões de m³, o equivalente a 2,2m³ per capita, resultado de cinquenta anos de intensa transformação nos processos produtivos em larga escala.

A lenha também era amplamente utilizada no consumo doméstico. Nos fornos e fogareiros para cozer alimentos; purificação da água; limpeza e asseio de ambientes e vestuários e saneamento básico. Em 1901 o governo protegeu essa pratica econômica, impedindo o aumento de impostos sobre a procura da lenha por parte dos municípios que desejavam proteger suas matas, para não encarecer a vida urbana. Em 1900, o consumo doméstico era de 2,4m³ per capita e caiu para 2,0m³ em 1950.

Na Primeira Guerra Mundial, a interrupção da importação de carvão e querosene, obrigou o país a maior uso da mata. Na Segunda Guerra Mundial, diante da impossibilidade de depender do petróleo, surgem os gasogênios: carvão vegetal queimado em fornos para gerar gás aos automóveis. A taxa de consumo de lenha duplicou e o preço da lenha subiu 600%. Dessa, forma, em 1950, havia quase nada da floresta primária e pouca oferta generosa de capoeira – não pelo consumo industrial ou domestico, mas principalmente pela expansão das áreas de cultivo, pastos e queimadas ineficientes.

 

O INÍCIO DA PRÁTICA DE REFLORESTAMENTO

Havia preocupação com o desmatamento? Sim, e para atender e garantir os interesses econômicos colocados em risco por causa dessa atividade, a sociedade se organizou e instrumentalizou para gerir tal demanda. A escassez e alto preço da lenha mobilizaram funcionários públicos, técnicos e industriais para investir nas reservas de reflorestamento. Mas antes de voltarmos ao final do século XIX, para falarmos a respeito, é necessário mencionar, de forma sucinta, o que ocorreu nos períodos anteriores.

A história da regulação ambiental no Brasil também teve início por questões econômicas. No período colonial, a legislação vigente eram as Ordenações Manuelinas feitas para o território metropolitano. Porém não houve legislação exclusiva para as áreas de colonização pensadas como território de exploração de recursos naturais e exportação de insumos tropicais. O sistema de capitanias hereditárias e sesmarias criado por Portugal para ocupar as terras inóspitas que dominavam, espalhou a ocupação clandestina no Brasil, e logo alarmou o império sobre o descontrole nas extrações de insumos florestais e grilagem. Cria-se a Lei de Terras, em 1850, que restringe o acesso livre às terras, tornando-a mercadoria: só poderia ser adquirida se comprada. No entanto a posse e ocupação ilegal de terras para cultivo e exploração continuou existindo pois era necessário sempre migrar para uma área nova em função do esgotamento do terreno anterior (Figuerôa, 1985)7.

Com o advento das expedições europeias em função de pesquisa científica e o estabelecimento de pesquisadores em solo brasileiro, logo se reconheceu o valor do conhecimento sobre terras enquanto instrumento de exploração e controle da natureza.

Agora, após esse breve panorama, voltemos ao ponto onde pausamos: o final do século XIX.

Em 1886 foi criada em São Paulo, a Comissão Geográfica e Geológica, “que tinha por objetivo dar um viés científico para a administração pública no desenvolvimento da província” (Arromba et. al., 2012: 21)8. Para cumprir um regimento interno, foi criado um Museu de História Natural da Província, que deveria colecionar duplicatas úteis ao ensino e que seriam distribuídas para estabelecimentos educacionais. Criou-se a seção de botânica, chefiada pelo cientista sueco Johan Albert Constantin Löfgren (1854-1918).

Albert Löfgren, como era conhecido, chegou ao Brasil em 1874, para integrar uma expedição botânica nas Províncias de São Paulo e de Minas Gerais. Não voltou para seu país e seguiu sua trajetória realizando estudos em solo brasileiro. Trabalhou como engenheiro-arquiteto da Companhia Paulista de Estradas de Ferro entre 1877 e 1880, morou em Pirassununga e posteriormente mudou-se para Campinas, onde se dedicou ao ensino de ciências naturais. Até o fim de sua vida permaneceu com as pesquisas e o ativismo florestal. Sua história com a Comissão Geográfica e Geológica surge a partir de um convite de Orville Derby, chefe da Comissão Geográfica e Geológica. Löfgren comandaria a parte referente à Botânica e à Meteorologia, sendo o primeiro a organizar esse tipo de serviço em São Paulo.

A primeira tentativa de fundar um horto botânico foi em 1870, no atual parque da Luz, fundado com o nome de Jardim Botânico, pelo então governador capitão general Manuel de Melo Castro e Mendonça. Em função das transformações urbanas na área central, o horto botânico da Luz foi transformado em passeio público, perdendo seu referencial de horto. Horto é um espaço dedicado a disseminação do conhecimento sobre botânica, plantas úteis, estudo de produções nativas e exóticas. A cidade então ficou sem uma instituição que retomasse essas atividades, até a fundação do Horto Botânico, na Serra da Cantareira (Arromba, et. al., 2012, pg. 20 ver nota 8)

No final do século XIX a devastação das matas do Estado já havia tomado grandes proporções, e já era do conhecimento da Comissão, em 1895 que a atividade carvoeira avançava em direção aos mananciais na região da Serra da Cantareira.

Albert Loefgren teve a preocupação pioneira em conscientizar a população da importância do reflorestamento de espécies nativas e produção de mudas para abastecer a demanda de insumos da cidade, como carvão e borracha, evitando o desmatamento predatório e alteração da mata nas áreas de mananciais, razão pela qual escolheu a área da zona norte, próxima a Serra da Cantareira, de forma que o horto funcionasse como uma barreira a atividades predatórias (Arromba, et. al., 2012 ver nota 8).

O Governo provincial já havia desapropriado algumas fazendas na região, para a proteção dos mananciais da cidade de São Paulo e aí instalara, em 1894, um ramal ferroviário: o “Tramway da Cantareira”9

Enquanto isso, no setor privado, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro criou um serviço florestal próprio, chefiado por Edmundo Navarro de Andrade. Criaram reservas florestais de rápido crescimento, focando no eucalipto para suprir suas próprias atividades. Influenciaram outros empresários com a venda da lenha, sementes e mudas. Foram destaque na mídia da época. Porém, Dean afirma que, até 1928, eles não usavam o eucalipto nas estradas de ferro, mas sim, a mata nativa da sua reserva, que fora derrubada para cultivo do eucalipto. A Cia destinou dois terços de sua reserva de eucalipto para outros fins - material de construção, e fabricação de papel, e área que sobrava não era suficiente para atender o consumo das locomotivas. Segundo Dean (1986 ver nota 5), é possível que o serviço só tenha sido criado para acalmar a opinião publica diante do desmatamento.

O cultivo massivo do eucalipto é prejudicial ao bioma, pois “não é reflorestamento e sim produção industrial de madeira”, segundo Dean. No entanto, como apresentava um manejo rápido e eficiente, pode apontar uma das razões que contribuiu para a redução do desmatamento das capoeiras.

O eucalipto cresce em solo pobre, rendendo 250m³ de lenha em 8 anos e pode ser cortado muitas vezes. No entanto, em 1950 a produção de eucalipto ainda era insuficiente para suprir a demanda do consumo de lenha capoeira: 4 mil hectares ao ano de eucalipto para atender a necessidade de 190mil hectares ao ano de capoeira.

A crise no suprimento de lenha e carvão foi substituída pela utilização maciça de combustíveis fósseis – petróleo, óleo diesel e gás liquefeito – o que resultou na ampliação da capacidade energética elétrica. A opinião publica afirmava que essas novas fontes salvariam a floresta. Na sequência, investiu-se de forma mais significativa na construção das hidrelétricas, que é a principal matriz energética do Brasil atualmente.


 

O PROTAGONISMO DO PARQUE ESTADUAL ALBERT LOEFGREN NA HISTÓRIA DO MANEJO RENOVÁVEL PARA PRODUÇÃO DE INSUMOS

O Parque Estadual Albert Loefgren, ou apenas “Horto Florestal” como costumam chamar seus frequentadores atuais, começou como Horto Botânico, fundado para pesquisa cientifica em 1896. Tornou-se Horto Botânico e Florestal em 1909, aberto à visitação pública desde 1905. Depois, Horto Florestal do Serviço Florestal do Estado, de 1911 até 1963, quando recebe o status de Parque Estadual Turístico da Cantareira. E foi em 1993 que teve incluso em seu nome, uma homenagem ao idealizador de sua existência, o pesquisador sueco naturalista e botânico, Albert Loefgren.

Para conseguir as sementes e mudas, contratavam-se agricultores do interior do Estado, e na sequência, funcionários da administração pública estadual faziam as colheitas nas propriedades. “Assim, nos anos seguintes, o Horto já estava em condições de fornecer sementes e mudas aos interessados e havia iniciado o treinamento da equipe de sementeiros, que se perpetuou através dos anos10. Quanto às plantas medicinais, em 1898 Löefgren pediu a colaboração de farmacêuticos do interior para obter mudas e sementes, destacando em publicações científicas que a produção desse tipo de muda e oferecimento do serviço também era um objetivo do Horto. Nesse mesmo ano acontecem os primeiros plantios do pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), importantes estudos florestais, e a instalação de um posto meteorológico, a estação Meteorológica de n°83.85611.

Segundo o Instituto Florestal, em seu plano de manejo publicado em 2012, em 1900 o Horto Botânico, de acordo com o próprio Löefgren12, dinamizou o serviço florestal, no sentido de propagar espécies nativas que poderiam ser plantadas na Cantareira como alternativas à monocultura do café, destacando as plantas medicinais que poderiam subsidiar um processo de industrialização e a policultura em pequenas propriedades. Menciona que em 1901, o Horto já possuía estoque de mais de 90.000 mudas para serem distribuídas. Nesse momento inicia-se o cultivo dos Eucalyptus e de coníferas exóticas. O horto também se ocupava de espécies frutíferas, estudando as adaptações de plantas trazidas da Argentina e dos Estados Unidos. Com base nesses trabalhos vários artigos sobre cultivo de frutas, práticas de horticultura e fitossanitárias foram publicados, assim como recomendações sobre adubação, baseada em seus próprios experimentos13. A partir de seus trabalhos, Löefgren publica artigos em 1902 alertando as autoridades e a população sobre a necessidade de dinamizar esse serviço florestal, afirmando suas vantagens ecológicas e econômicas. Tinha a intenção de construir um serviço florestal oficial, que ajudasse a frear a destruição das florestas no Estado. A sequência desses artigos culmina na criação do Serviço Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro14.

É nesse momento da história que a trajetória do horto encontra sua interface direta com o processo de urbanização e expansão da metrópole. No fim do século XIX, com a intensa procura da borracha da Amazônia por causa da industrialização da Inglaterra e dos Estados Unidos, fazendo com que esse produto chegasse a representar 40% da exportação brasileira, despontando como cidades de plena expansão Manaus e Belém, o Horto Botânico da Cantareira, procurava caminhos para a produção racionalizada da borracha em São Paulo, tomando o exemplo do que os ingleses fizeram nas colônias da Ásia. Aí se tem um embrião da ideia do manejo sustentável para suprir uma necessidade urbana, como é hoje a madeira de reflorestamento, por exemplo.

Com a reforma da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1907, por Carlos Botelho, a sede da Seção Botânica foi alocada no Horto Botânico, e a ideia era que tivesse uma função diferente, se dedicando aos serviços florestais. De acordo com os autores15, após essa mudança, o Horto desliga-se da Comissão Cartográfica e Geológica, para passar a ser subordinado à Diretoria de Agricultura, recém-criada.

Loefgren pediu exoneração do cargo público para dedicar-se ao ativismo e em 1904 fazia campanha contra as ferrovias16. Segundo os autores, isso pode estar relacionado com o fato de um de seus sucessores, em 1911, ter sido trazido da Companhia Paulista de Estradas de Ferro para dirigir o Serviço Florestal. O Estado queria pôr fim às críticas sobre a devastação das matas para alimentar as caldeiras das locomotivas, conforme o estudo de Warren Dean, e passou a utilizar como insumo as florestas de rápido crescimento que tinham a madeira distribuída pela rede ferroviária entre a sede e as unidades do Serviço Florestal. O objetivo do órgão que antes era o investir em conscientização ambiental, uso múltiplo de florestas e desenvolvimento sustentável, passa a ser o de focar em florestas de produção de árvores para utilização pelas ferrovias, que deveriam ter crescimento rápido.

O novo diretor do Horto, Navarro de Andrade, trazia consigo o conhecimento adquirido sobre a sistematização de cultura do eucalipto, espécie que passa a tomar a dianteira das espécies distribuídas para reflorestamento. Atualmente prefere-se as espécies nativas para reflorestamento de áreas desmatadas, mas naquela época, pelo rápido crescimento e por que os eucaliptos se adaptavam bem ao nosso clima, portanto, de fácil plantio e colheita, as mudas de eucalipto foram muito solicitadas ao Serviço Florestal, demonstrando a preferência dos plantadores. Construíram um ramal do trenzinho da Cantareira que ligava os viveiros do Horto ao interior de São Paulo, e assim acontecia a logística de transporte das mudas para o interior.

Gustavo Edwall, também sueco, e agrônomo de formação, que substituiu Loefgren na ocasião de sua auto-demissão, era o “discípulo mais próximo do primeiro diretor”17. Edwall atuava intensamente na campanha de conscientização da população, e além de organizar viveiros, e eleger espécies nativas para reflorestamento e arborização de praças e jardins,

(...) também visitou fazendas e propriedades que haviam recebido a ajuda do Horto, para fiscalizar seus plantios, e dava continuidade ao trabalho iniciado por Lofgren, sobre as expedições botânicas e estudos sobre a distribuição da Flora no Estado”18.

Dessa forma, podemos afirmar que parte do trabalho dessa instituição era dedicar-se à maneira de uso e ocupação do solo do seu entorno, bem como a educação agrícola de seus habitantes visando a produção renovável de insumos para evitar a necessidade de mais desmatamento das florestas nativas, apesar do foco econômico na priorização da construção da metrópole e modernização da cidade que o Estado voltava a assumir com a mudança de atuação do serviço florestal.

Ao longo dos anos, com as mudanças de gestão e das estruturas administrativas, a instituição teve por diversas vezes seu uso e funções transformadas e hoje o local é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral19, denominada Parque Estadual Albert Loefgren, mais conhecido como Horto Florestal, devido à sua história de prestação de serviços ambientais para a cidade.

 

PARQUE ESTADUAL ALBERT LOEFGREN, ANTIGO HORTO BOTÂNICO E FLORESTAL: UNIDADE DE CONSERVAÇÃO E PATRIMÔNIO HISTÓRICO

A Zona Norte do município de São Paulo possui relevo originalmente montanhoso, é porção de território situado acima do traçado do Rio Tietê, portanto distante dos primeiros anéis concêntricos de urbanização inicial da cidade. Nesse território, encontra-se uma parte da grande área de mata pertencente à Serra da Cantareira. É uma Área de Proteção Ambiental que possui duas Unidades de Conservação de Proteção Integral: o Parque Estadual da Serra da Cantareira - que abrange quatro municípios (Mairiporã, Caieiras, Guarulhos, e São Paulo) e é uma das maiores florestas de mata nativa em região urbana, com 7.900 hectares de área20, o equivalente a aproximadamente, 8 mil campos de futebol de mata preservada Possui 4 núcleos abertos para visitação, Núcleo do Engordador, Cabuçu, Águas Claras e Pedra Grande, sendo este último vizinho do Parque Estadual Albert Leöfgren, cuja portaria encontra-se na Rua do Horto Florestal - e o Parque Estadual Albert Lofgren, antigo Horto Botânico Florestal, objeto e fonte dessa pesquisa. Juntos, esses contínuos de mata foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – CONDEPHAATH (Resolução nº 18, de 04/08/1983), instrumento que classifica a unidade como Reserva Estadual da Cantareira e Horto Florestal, onde estão inclusas também os pontos turísticos como a bomba d’água na barragem no Engordador, e o mirante da Pedra Grande21.

Após esse importante reconhecimento, o Parque Estadual Albert Loefgren, por sua vez, também é reconhecido pela UNESCO, dez anos depois, em 1993, como parte integrante da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde do Estado de São Paulo, integrando a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.

Em conjunto com a região da Cantareira, vem sofrendo os impactos da expansão urbana, e do conflito de limites físicos por conta das ocupações irregulares oriundas do déficit habitacional e falta generalizada de infraestrutura urbana na cidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das razões históricas que explicam o desmatamento da floresta atlântica, apresentamos a extração e uso da madeira, que foi a principal matriz energética no processo de industrialização paulista. Também apresentamos que as pesquisas científicas e a criação das instituições que geriam as soluções para o desmatamento o faziam para garantir a continuidade das atividades econômicas existentes (Figuerôa, 1985 ver nota 7).

Diante do que expusemos, em nosso entender, Loefgren estudava as espécies nativas aptas para o reflorestamento, mas não obteve o sucesso que poderia devido à adesão do setor empresarial à popularidade anunciada do cultivo do eucalipto, por Navarro, cujos estudos aconteciam em concomitância aos de Loefgren. De qualquer forma, foi a instituição do Horto Florestal que permitiu o desenvolvimento dessa nova tecnologia configurando um importante serviço ambiental e econômico para na construção da cidade22.

Quanto à preservação de remanescente de Mata Atlântica na urbanização e industrialização de São Paulo no início do século XX, à partir do exposto, é possível supor que foram fatores determinantes, para a permanência dessas áreas, o uso dos combustíveis fósseis e das hidrelétricas que atenderam às demandas de suprimento energético necessárias à criação da metrópole. A produção de florestas de rápido crescimento obteve papel secundário, de forma que a decisão institucional sobre cultivo das espécies estrangeiras, como eucalipto, sob direção de Edmundo Navarro, se sobrepôs aos estudos tecnológicos e científicos do desenvolvimento de cultivo das mudas nativas que anteriormente haviam sido iniciados, pela mesma instituição.

 


1 Natasha Tsiftzoglou é Arquiteta Urbanista, tem formação técnica em Meio Ambiente e Gestão Ambiental e pós-graduada em História Social da Arte. Atuou em projetos arquitetônicos, urbanos, gestão de patrimônio público, restauração e preservação de patrimônio histórico. O presente texto é resultado parcial da pesquisa de mestrado sobre preservação de florestas e o uso da madeira na urbanização de São Paulo entre 1896-1916 sob orientação da Prof.ª Dra. Raquel Glezer, e tem como estudo de caso, o Serviço Florestal no Horto Botânico e Florestal de São Paulo. A base dos dados aqui presente foi obtida e discutida durante a disciplina “Energia e História” ministrada pelo Prof.Dr.Gildo Magalhães.

2 Odette Seabra, “Urbanização e Industrialização – Rios de São Paulo”, em Revista Labor & Engenho v.9, nº1, Jan/Mar 2015, pg. 37-48

3 Em 2014 a área de remanescente da Mata Atlântica correspondia a 7,6% de sua área original, calculada em aproximadamente 1.306.000 km². Fonte: Anuário da Mata Atlântica, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Disponível em: <http://www.rbma.org.br/anuario/mata_03_anosdedesttuicao.asp&gt; Acesso em: 19/05/2014. Os dados sobre o desmatamento serão atualizados no fechamento da pesquisa, em 2021.

4 Ana Augusta Rocha e Fábio Feldman, A Mata Atlântica é aqui, e daí?:  história e luta da Fundação SOS Mata Atlântica, 1ª ed., São Paulo: Ed. Terra Virgem, 2006

5 Warren Dean, “A Floresta como fonte de energia na urbanização e na industrialização de São Paulo:1900-1950” in: Anais do 1º Seminário Nacional de História e Energia, Volume 1, 1986, pg.41-54

6 O Joule “J” é uma unidade do Sistema Internacional (SI) para quantificar Energia, Trabalho e quantidade de Calor. Recebeu o nome do físico inglês James Joule (1818-1889) que estudou as manifestações e transferências de energia entre os sistemas. No SI, um Joule é definido como 1Kg x m² x s-2  = 1 N × m = 1 W × s, que de forma resumida significa que um Joule é o trabalho necessário para exercer a força de um Newton para deslocar um objeto em um metro. Em kJ, cada Kg corresponde à 1000 J. Portanto, quanto mais densa a madeira, maior seu potencial de energia.

7 Silvia F.de M Figuerôa, Um século de pesquisas em Geociências (coord), São Paulo: Instituto Geológico, 1985

8 Ana Lúcia Arromba e outros, Parque Estadual Albert Löfgren: Plano de Manejo (coord), 1ºed. Secretaria do Meio Ambiente, São Paulo: Instituto Florestal, 2012.

9 Botelho, 1906 in: Arromba, et al, 2012, pág. 54-55 (ver nota 8)

10 Berzaghi et al, 1973 em Arromba, et. al., 2012, pág. 54-55 (ver nota 8)

11 Idem 10

12 Alberto Löefgren, 1901, apud Guillaumoun, 1989 em Arromba, 2012, pg.54-55 (ver nota 8)

13 Arromba, et. al., 2012, pg. 54 ( ver nota 8)

14 Arromba, et. al., 2012, pg. 56 (ver nota 8)

15 Nota 8

16 Arromba, et. al., 2012, pg. 59 (ver nota 8)

17 Arromba, et. al., 2012, pg. 57 (ver nota 8)f

18 Arromba, et. al., 2012, pg. 58 (ver nota 8)

19 LEI Nº9985/2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação/SNUC.

20 A informação foi retirada do Portal do Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: < http://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/parques-e-reservas-naturais/par…; Acesso em: 04 abril 2019, 01:33:12. Os dados serão atualizados no final da pesquisa em 2021.

21 Arromba, et. al., 2012, pg. 05 (ver nota 8)

22 Essas questões estão abordadas na monografia do meu curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, sob o título “Arquitetura Urbana e a Preservação da Mata Atlântica: Núcleo de Educação Ecoprofissional Cantareira – 2014” que originou o projeto de pesquisa para a tese de mestrado