MODELOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO SÉCULO 20:

A planificação econômica como método de política econômica

 

Maria Fabíola Ramos Caramez Carlotto (PPGHE/USP)

 

A questão do desenvolvimento econômico passou a ocupar um lugar central nos grandes temas da história do pensamento contemporâneo. O problema das economias que precisavam ser impulsionadas para o desenvolvimento representou novos marcos a partir da Segunda Guerra, mas também acentuou contradições ao evidenciar as grandes desigualdades econômicas dos Estados no sistema mundial. A questão do desequilíbrio mundial frente ao desenvolvimento das antigas economias em relação às que entraram no processo de industrialização com desvantagens e atrasos tecnológicos se evidenciou com a mudança geopolítica do mundo no pós-Guerra e com o surgimento das economias socialistas. No caso da China, a situação chamou atenção não somente por ser o país mais populoso e, da União Soviética, pelo rápido desenvolvimento alcançado em um período de quarenta anos, mas pelos resultados econômicos que atingiram após aplicarem o modelo de desenvolvimento planificado. Esse mecanismo econômico transformou a União Soviética na segunda maior potência econômica mundial do pós-Guerra, lugar ocupado pela China no final do século. Tanto a China como a União Soviética direcionaram seus planejamentos econômicos para o desenvolvimento industrial. Por essa razão, o presente trabalho destaca a planificação como um instrumento de política econômica genuíno dos modelos de desenvolvimento originários do século 20, um recurso econômico que caracterizou o método aplicado no interior das economias socialistas que visavam impulsionar o desenvolvimento para uma rápida industrialização. Ao mesmo tempo, este trabalho tem por objetivo destacar os modelos de desenvolvimento econômico que foram consequências das questões socioeconômicas das realidades que se apresentaram ao mundo a partir das transformações geopolíticas ocorridas no século passado, após o decorrer de cinco séculos de desenvolvimento hegemônico do modelo único do capitalismo econômico. E o planejamento econômico significou um método estratégico de curto prazo, necessário num período de transições históricas no sistema global. A metodologia empregada nesta pesquisa bibliográfica objetivou uma síntese dos trabalhos de Oskar Lange1(1904-1965). O economista foi referência nos estudos da planificação e se destacou na teoria ao acrescentar à economia marxista os fundamentos da pesquisa quantificada e à planificação socialista razões matemáticas. Nesta síntese, nosso recorte visou o contexto de transição de países ancestrais para vencer o subdesenvolvimento, o que propiciou o surgimento de novos modelos econômicos, que refletiram um mundo em profunda transformação. O tempo breve do século 20, impulsionou mudanças na sedimentação realizada na longa duração, pela profusão de acontecimentos2. Século também visto pela teoria como sendo a ‘era dos extremos’.3

DESENVOLVIMENTO

Características dos modelos de desenvolvimento econômico do século 20

A reorganização dos novos Estados no pós-Guerra foi determinante para o aparecimento de novas políticas econômicas de desenvolvimento. Pois, até essa época, as questões pertinentes ao desenvolvimento exerciam um outro valor explicativo. Até então, os economistas acreditavam que o crescimento econômico, enquanto ‘progresso’, ocorria de forma espontânea, à mercê dos mercados. E no início do século, estavam muito mais voltados para a questão do equilíbrio econômico do que para as questões do desenvolvimento. A mudança de paradigma ocorreu após os acontecimentos históricos relacionados ao rápido desenvolvimento das economias socialistas planificadas.4

O novo paradigma estaria relacionado à hegemonia do bloco formado pelas economias socialistas no Leste Europeu e a entrada da China nesse bloco, representando, além de país mais populoso, uma economia planificada em ascensão. Por outro lado, o lugar estratégico que a União Soviética passou a ocupar na geopolítica do mundo. Após a revolução socialista de 1917, planificou sua economia para a industrialização, ao mesmo tempo em que adquiriu um significante poder político pelo papel decisivo na Guerra. Agrária e subdesenvolvida no começo do século, ‘num período de quarenta anos, após planificar sua economia, conseguiu se transformar na segunda maior potência industrial.

Esse contexto impulsionou um novo paradigma, que colocou na ordem temática o problema dos “países subdesenvolvidos,” conceito que demarcou as grandes questões dessa época e no surgimento de mais de um modelo econômico no século 20. Ao mesmo tempo, a questão do desenvolvimento das economias nacionais passou a ocupar um lugar central no pensamento econômico. Isso se deveu em grande parte aos resultados alcançados pelas economias planificadas e ao desempenho daquelas que entraram atrasadas no processo do capitalismo em curso desde século XV, como foi o caso das ex-colônias e semicolônias da América e da África, realidades que afloraram nesse século.

Dessa forma, uma nova conjuntura foi sendo desenhada no decorrer do século e sugeriu que se rediscutissem as questões relacionadas a realidades nacionais econômicas muito desiguais num mundo que se reconstruía da devastação da Guerra. Para Lange5, as questões do subdesenvolvimento levavam sempre a se refletir sobre o processo da produtividade do trabalho e a industrialização como um caminho viável para o rápido progresso na superação do atraso econômico em comparação com o mundo desenvolvido.

No quadro histórico que se desenhou no pós-Guerra, três modelos de desenvolvimento foram observados pelo economista. “O primeiro foi o modelo capitalista, que até a Primeira Guerra era considerado o único possível, o modelo universal”. E sua característica principal consistia na acumulação do capital e no investimento produtivo. Uma das fontes que caracterizou o desenvolvimento capitalista se originou do capital primitivo acumulado na pilhagem da exploração colonial, como particularidade histórica levada a efeito a partir do período das grandes navegações marítimas do século XV.

Em contraposição ao modelo capitalista, surgem dois novos modelos que foram os padrões genuínos do século 20, segundo estudo bibliográfico que aqui detalhamos. São os modelos denominados socialista e nacionalista-revolucionário, considerados oriundos da nova realidade geopolítica do mundo.

O modelo socialista se originou da revolução social da União Soviética em 1917, e se propagou pela Europa Oriental e depois para a China. A característica central era a estatização das indústrias, do comércio, das finanças, dos meios de transporte, pela apropriação socialista da economia e uma reforma agrária coletivizada, com contribuição dos excedentes agrícolas para o processo de acumulação até o desenvolvimento industrial. Determinando, dessa forma um crescimento autossustentado pelo reinvestimento dos lucros no processo de desenvolvimento coletivizado, pois esse modelo era despossuído de acumulação primitiva de capital. O que em grande medida irá explicar o mecanismo da planificação como método para otimizar a economia e impulsionar a industrialização.

O segundo modelo econômico do século 20, que foi designado nacionalista-revolucionário, ainda despontava na conjuntura em formação e tinha como característica principal o movimento emancipatório da dependência colonial ou semicolonial. Esses países apresentavam um precário estado de desenvolvimento. À semelhança do modelo socialista, despossuíam capital primitivo e o fator dinâmico do desenvolvimento se organizava a partir dos investimentos, recursos públicos e estatais. No decorrer desse processo revolucionário emancipatório, o capital estrangeiro era objeto de conflitos com os países capitalistas antigos no confronto com as velhas forças colonizadoras e nativas, quando a ideia de nacionalização atingia a maior parte das esferas representativas.

Assim, torna-se possível formular uma síntese a partir deste estudo bibliográfico6, destacando um ponto de interseção entre os três modelos de desenvolvimento classificados no século 20, pois tinha uma característica comum. Isto é, nos três modelos se constatou a busca do desenvolvimento produtivo via força de trabalho. Constatou-se também que entre os dois novos modelos, socialista e nacionalista-revolucionário, havia muitas semelhanças, de forma mais fundamental pela particularidade de pensarem a transição ao desenvolvimento através do mecanismo da planificação econômica.

O ‘velho’ modelo capitalista

Como dito, o modelo capitalista até a Primeira Guerra Mundial era o padrão universal, considerado, até então, o único modelo possível:

“Pensava-se que qualquer país que quisesse tomar o caminho para o desenvolvimento econômico teria necessariamente que seguir esse modelo. Essa era a opinião unânime dos principais economistas dos países capitalistas antigos. Até mesmo os economistas críticos do sistema capitalista, que adotavam posições socialistas, compartilhavam essa opinião. Os fundadores do moderno socialismo científico, Marx e Engels, acreditavam que todos os países teriam que passar por uma etapa de desenvolvimento capitalista que constituía uma pré-condição para o desenvolvimento de uma sociedade socialista”7


 

Em trabalho clássico, Marx8 formulou as principais características na formação do capitalismo, como acumulação primitiva de capital e investimento produtivo que foram se incorporado ao sistema pela classe média urbana desde a formação da burguesia, que empregou a cultura da acumulação de riqueza de forma incessante. Em comparação com a classe feudal, os burgueses tinham a parcimônia como característica distintiva e transformavam sua riqueza em investimento produtivo: pedra angular do capitalismo.

A partir desse estudo, chega-se à chave interpretativa para a compreensão do processo de desenvolvimento econômico através do investimento produtivo, como ponto comum entre os três modelos estudados. Para se identificar essa chave, torna-se essencial a pergunta: de onde vieram os recursos para o investimento do padrão histórico do modelo capitalista?

“Em primeiro lugar, dos lucros acumulados pelos mercadores que foram os primeiros capitalistas. Esses lucros foram usados para o investimento industrial e trouxeram mais lucros, já então das atividades industriais da classe média. Isso foi nova fonte de novos investimentos. Assim os lucros do comércio e da produção, em parte também das operações financeiras da classe média, tornaram-se a base do investimento que levou ao desenvolvimento capitalista. Essas não foram, porém, as únicas fontes. Além delas, houve outras: uma de grande importância para o surgimento do desenvolvimento capitalista, foi a exploração das colônias. Essa exploração frequentemente assumiu a forma de pilhagem direta, bastando citar a grande pilhagem da Índia. Outras formas de exploração foram exercidas através de monopólios comerciais. Num período posterior, o investimento de capital em países coloniais ou semicoloniais constituiu uma importante fonte de acumulação de capital e de investimento produtivo para os países da Europa Ocidental. Outra fonte foi a ruína dos pequenos artesãos e camponeses, cujas propriedades foram açambarcadas pelos capitalistas e convertidas em capital”9.

O materialismo histórico fundamentou, contudo, que o desenvolvimento capitalista foi impulsionado nos momentos decisivos de transição nos modos de produção e, nesses momentos, soube achar o caminho para extrair os recursos necessários ao investimento produtivo e o excedente econômico para impulsionar a força de trabalho. Mas também buscou no poder do aparato do Estado um meio para atingir a hegemonia dos mercados.

Nas economias capitalistas mais antigas, a forma como essa dinâmica se deu foi mais articulada. Numa etapa inicial, o Estado teve um papel muito importante, “quer investindo diretamente em ramos como as ferrovias, as empresas de serviços públicos e às vezes em empreendimentos industriais e comerciais, ou então subsidiando empresas privadas”10. Mas a participação do Estado se destacou de forma decisiva no processo de construção dos meios de infraestrutura e de “capital social fixo da atividade produtiva”. E, num estágio mais avançado, entregou essa estrutura à iniciativa privada e ao mercado, em diferentes intensidades:

“O Estado costumava ser muito ativo como investidor ou como provedor de subsídios para os investimentos privados. Assim, o investimento público desempenhou um papel importante no modelo capitalista de desenvolvimento”11

Esse foi o caminho histórico inicial trilhado pelos os países da Europa Ocidental e os Estados Unidos. Num momento mais estruturado das empresas capitalistas na esfera industrial, no comércio e nas finanças, os lucros obtidos desses empreendimentos forneceram meios à acumulação de capital e o crescimento econômico autossustentado.12

No entanto, esse processo se deu de forma ‘desigual’ e ao que se sabe, em grande medida, o capital internacional funcionou como fator de aceleração do desenvolvimento dos países menos desenvolvidos. Pois, nos processos pelos quais o capitalismo se deu nos países menos desenvolvidos, a taxa de lucros era mais atrativa. Isso para incentivar investimento para dentro daqueles países cujos recursos de capital eram relativamente escassos. ‘O que ajudou a acelerar o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos’.13

Em breve síntese, temos as linhas gerais em que se constituiu o modelo capitalista, ‘uma espécie de lei universal’ até a Primeira Guerra Mundial, considerado até então pelos economistas, quase por unanimidade, um percurso obrigatório ao desenvolvimento econômico, “um caminho pelo qual todos os países teriam que passar’ para atingir o desenvolvimento.

No entanto, surgiu uma contestação nesse caminho “o que aconteceu, o que fez com que o capitalismo fosse posto em dúvida para resolver os problemas dos países subdesenvolvidos?’

“A resposta é que um novo fator passou a fazer parte do quadro: o desenvolvimento do capitalismo monopolista e do imperialismo. O capitalismo monopolista e o imperialismo tornaram impossível aos países subdesenvolvidos seguir o modelo tradicional de desenvolvimento capitalista”.14

As razões apontadas por Lange15 sugerem uma conjunção de fatores, mas a mais importante apresentada estava relacionada ao aparecimento dos grandes monopólios na organização financeira dos principais países capitalistas. E, dessa forma, o investimento internacional nos países subdesenvolvidos através do capital especulativo dos países ‘altamente desenvolvidos adquiriu um caráter específico’.

“Ele dirigiu-se principalmente para a exploração de recursos naturais a serem utilizados como matérias-primas pelas indústrias dos países desenvolvidos, e para o desenvolvimento da produção de alimentos nos países subdesenvolvidos para alimentar a população dos países capitalistas desenvolvidos. Dirigiu-se também para o desenvolvimento da infraestrutura econômica como transporte, os portos e outras instalações necessárias para manter as relações econômicas com os países subdesenvolvidos”.16

A preposição acima, aparentemente, não responde toda questão e não representa todas as razões para o surgimento de modelos contraditórios ao sistema. Entretanto, para Oskar Lange, o surgimento desses novos modelos foi impulsionado pelo subdesenvolvimento, mas também quando as ‘economias dos países subdesenvolvidos tornaram-se unilaterais’, isto é, economias servis para exploração, produtoras de matérias-primas e exportadoras de alimentos. E “os lucros obtidos pelo capital estrangeiro nesses países não foram sendo usados para reinvestimentos dentro desses próprios países, mas remetidos de volta aos países de onde o capital tinha vindo”.17

E uma conclusão fundamental desse processo passa pelo entendimento de que os lucros ‘não foram usados para o investimento industrial numa escala ampla, o que, como nos ensina a experiência, é o verdadeiro fator dinâmico do desenvolvimento econômico moderno”18. A questão da industrialização se constituirá na principal razão e causa econômica comum na origem do desenvolvimento almejado pelos novos modelos econômicos, fator que explicará o caminho trilhado pela China no final desse século.

Modelos de desenvolvimento econômico do século 20

O contexto histórico em que se situa o surgimento do modelo socialista na segunda década do século sinaliza para o fato de que ele surgiu em uma realidade de subdesenvolvimento, “apesar de existir algum grau de industrialização em moldes capitalistas”19. No caso da Rússia, ainda assim, esse contexto industrial insuficiente, produziu a base política do movimento da classe operária que foi a principal expressão da revolução social. Recordando, porém, que a revolução socialista teve por prática, primeiro, a estatização das indústrias dos setores financeiro e de infraestrutura que existiam segundo o modelo capitalista e, em ato contínuo, uma reforma agrária que aboliu as relações sociais feudais no campo, compreendendo toda a esfera agrícola. “Numa etapa posterior, estimulou o desenvolvimento cooperativo da produção agrícola. Esses dois atos forneceram a base para acumulação de recursos para o investimento produtivo”20 Por que citamos este procedimento? Porque ele foi além de base de apoio, a estrutura do método da planificação econômica do modelo de desenvolvimento socialista, pois forneceu os recursos necessários para financiar o investimento produtivo:

“As indústrias, o comércio, as finanças e os transportes estatizados forneceram um fundo comum de lucros que foram usados para novo investimento industrial. À medida que novos estabelecimentos industriais foram sendo construídos, esse fundo comum de lucros foi crescendo e sendo usado para novos investimentos, de forma que o setor industrial nacionalizado da economia foi se expandindo por meio do reinvestimento de seus próprios lucros. Dessa forma, teve início um processo de crescimento autossustentado. Contudo, esses países eram subdesenvolvidos, e a indústria desempenhava um papel não muito grande em suas economias, de modo que ela não era suficiente para fornecer os recursos para o necessário investimento em alta escala. Uma fonte suplementar de investimento foi a contribuição dos camponeses. Os camponeses, tendo recebido terras com a reforma agrária, tiveram que contribuir com parte de seus proventos mediante alguma forma de imposto, principalmente a entrega compulsória de sua produção a um preço mais baixo ao Estado. A receita obtida dessa maneira foi usada para novos investimentos. Reinvestindo os lucros crescentes do setor industrial e investindo a contribuição da população agrícola que se beneficiou da reforma agrária, deu-se início a uma grande acumulação”.21

Sobre a situação desses países, será preciso dizer que entraram num novo paradigma de desenvolvimento econômico, diferente dos moldes capitalistas que contavam com uma originária acumulação de capital. Por isso, o novo sistema visou produzir um processo acelerado de acumulação autossustentado e cumulativo, que foi direcionado para alavancar a industrialização em tempo recorde.

Nesta mesma perspectiva, sobre a formação de um terceiro modelo, chamado de nacionalista-revolucionário, sua estrutura peculiar era uma novidade e ainda estava sendo observada em relação à forma e o contexto em que este processo ocorreu. Sabe-se que eram realidades neocoloniais que evoluíram para vários movimentos emancipatório no mundo pós-Guerra. Isso dentro de um contexto particular que marcou os movimentos emancipatórios dos países que buscaram no século 20 se libertar da dependência colonial ou semicolonial. As características gerais do modelo nacionalista-revolucionário foram assim descritas:

“Em primeiro lugar, de maneira semelhante ao que aconteceu no modelo socialista, o fator mais ativo e dinâmico no desenvolvimento econômico são os investimentos estatais e públicos. A razão é simples. Nos países em questão, não se desenvolveu suficientemente uma classe média capitalista., capaz de prover os recursos de capital para investimento na escala necessária para se conseguir a passagem da velha economia estagnada para outra, em desenvolvimento. Portanto, o investimento público tem que se tornar o principal fator do desenvolvimento econômico, de fato, sua força motora. A segunda característica do modelo nacionalista-revolucionário era que ele se serviu da estatização de uma maneira diferente da do modelo socialista. A estatização do capital privado desempenhou um papel muito destacado nos países socialistas. Nos países nacionalistas-revolucionários, a estatização limitou-se ao capital estrangeiro ou a certos setores dele. Com muita frequência a estatização de capital estrangeiro resultou, nem tanto de um programa econômico como de um conflito político com os países capitalistas antigos, tornando a estatização necessária como meio de emancipação política e de afirmação da independência dos antigos países colônias ou semicoloniais”22.

Observou-se que nesse modelo, o investimento público era o principal fator do desenvolvimento econômico. Na maior parte dos casos, o capital nacional não sofreu estatização, “limitou-se ao capital estrangeiro”. 23 Mas a questão da emancipação e independência nacional é marcante. Na maior parte dos movimentos nacionalistas-revolucionários ocorreu uma base ampla de caráter fortemente nacionalista. A unidade nacional surgiu nesses movimentos por uma espécie de coesão emancipatória, o que pode explicar a adesão de alguns grupos capitalistas no decorrer do processo revolucionário.24

Em muitos países que passaram por uma revolução nacional emancipatória, a quantidade de capital nacional, mesmo o proveniente do setor industrial, era insuficiente. O caráter colonizador constituiu uma economia baseada na dependência externa. Essa característica explica em grande medida o fato de a estatização não ter sido um processo tão marcante como no caso do modelo socialista. Isto é, a estatização socializada do processo produtivo não contribuiu para uma fonte significante de acumulação de capital.

Dessa forma, o modelo nacionalista-revolucionário do século 20, ao mesmo tempo em “que se baseava no investimento público como força dinâmica e dominante do desenvolvimento econômico, tentou também mobilizar”25 todo e qualquer capital nacional que existia para estimular o setor produtivo e direcionar o investimento privado.

Um programa de reforma agrária quase sempre surgia no interior do modelo nacionalista-revolucionário, em graus e intensidades diversas, conforme a proposta revolucionária. Na maior parte dos casos, a exemplo do modelo socialista, essas reformas foram o fator propulsor que redirecionou da agricultura subsídios à renda necessária para dinamizar a atividade industrial.

Oskar Lange considerou que nesse momento ocorre a particularidade histórica de transformação nos modos de produções, pois “a propriedade fundiária feudal” superou o caráter latifundiário de manejo servil nos modos de produção agrícola e a “utilização da renda da terra para consumo conspícuo foi eliminada e os antigos proprietários fundiários estimulados a se dedicarem ao investimento no setor industrial”.26

De forma geral, essas foram as principais características do modelo nacionalista-revolucionário, que segundo as anotações de Lange,27 marcaram os movimentos emancipatórios neocolonialistas por um estilo próprio de insurreição libertadora da submissão colonial do século 20. O ponto essencial em comum entre o modelo socialista e o nacionalista-revolucionário aparece na forma como o desenvolvimento econômico foi conduzido. O que equivale dizer que eles não se deram de forma espontânea, conforme ocorreu no modelo capitalista clássico no decorrer de um processo histórico, mas o desenvolvimento foi orientado, conduzido conscientemente, através de um planejamento.

A planificação econômica foi um instrumento de política econômica empregado pelo modelo socialista, mas seu êxito inspirou diversos programas econômicos nesse período, e se tornou também a principal característica do modelo nacionalismo-revolucionário. Como método, revelou-se notável para direcionar o desenvolvimento e alavancar as economias para um rápido crescimento e marcou, assim, a história econômica do século.

A planificação econômica, tal como aparece nos escritos de Oskar Lange, além de método, significou uma ação tecnológica social capaz de acionar os meios produtivos coletivizados em direção ao rápido desenvolvimento. Pois, na concepção socialista e nacionalista-revolucionário, o crescimento econômico, nas condições históricas existentes, ‘não ocorreu por si mesmo, automaticamente’, mas tinha por caraterística o fato de ser planejado, direcionado, conduzido. Esta era a essência do método que consistia em assegurar um montante para o investimento produtivo, necessário para propiciar a elevação da renda nacional e, por consequência, à per capital. A planificação foi um mecanismo financeiro para um grande salto empregado pelas políticas de planejamento que buscavam mobilizar recursos para o investimento em setores produtivos e infraestrutura de base. A especificidade do método socialista foi propor o financiamento por meio da coletivização, da estatização produtiva e da reforma agrária para vencer o subdesenvolvimento. Principal questão e desafio colocados à mesa nas grandes negociações econômicas, estratégicas e diplomáticas da política internacional no século.


 

Discussão


 


 

A pesquisa bibliográfica sugeriu ainda que depois da I Guerra Mundial a construção do socialismo como um novo modelo econômico de desenvolvimento estava sob efeito da revolução de outubro de 1917, que enfrentava problemas práticos para implantar um sistema totalmente novo, até então sem precedente na história econômica. Esta experiência gerou teses, narrativas, problemas, erros e acertos que foram, na maior parte dos casos, objeto de intermináveis discussões.

Em plena experiência revolucionária na União Soviética, por exemplo, todos os movimentos eram estudados e discutidos na perspectiva das questões relativas à transição do modelo capitalista para o socialista. Questões que foram apresentadas em estudos e nas grandes reflexões de Lênin, principalmente no período de implantação da Nova Política Econômica (NEP), linha básica para a planificação econômica. Tema também tratado por Bukharin e Preobrazhensky, que pensaram os fundamentos da nova economia.

Da perspectiva do modelo capitalista, a escola austríaca, (Von Mises, Hayek e Oskar Lange), apresentaram reflexões e fundamentos teóricos sobre o novo modelo. As questões mais contundentes foram levantadas por Hayek e Von Mises, este buscou demonstrar a impossibilidade do modelo socialista de estabelecer uma contabilidade econômica adequada. O que as teses socialistas buscaram contestar.

É nesse ambiente que surge os estudos de Oskar Lange, de cujo trabalho levantamos aqui alguns aspectos relativos à existência das leis econômicas na organização do modelo socialista. Esse estudo sobre o impactos e efeitos das leis econômicas na experiência socialista da URSS, considerou relatos e testemunhos recolhidos em momentos em que a revolução já avançava há mais de uma década. Chamou de 'impressionante' a insistência de Stalin, em seu último livro sobre “Problemas Econômicos do socialismo na URSS”, ao buscar argumentar com 'veemência' que tais 'leis existem e que não podem ser ignoradas'.28

A discussão já vinha sendo apresentada também nos trabalhos de economia política da Academia Soviética de Ciências, quando a experiência de implantação do novo modelo econômico estava num momento mais avançado, ocorrendo num outro estágio, na Iugoslávia, China e Polônia. Nesta última, Lange participou do projeto, conforme trecho da palestra proferida no Instituto de Política Economia Internacional em Belgrado:


 

“Na base do tratamento científico da economia política do socialismo, está o pressuposto de que, em uma sociedade socialista existem leis econômicas objetivas. Começarei minha exposição afirmando que a sociedade socialista está submetida, primeiro, as leis gerais do desenvolvimento socialista que estão formuladas na teoria do materialismo histórico e, em segundo lugar, a leis econômicas especiais”.29


 

Problemas do debate teórico


 

O embate teórico em torno das ações das leis econômicas no modelo socialista de desenvolvimento se originou em pressupostos de tendências anteriores à revolução, que procuraram pensar as condições e a forma como a sociedade se organizaria hipoteticamente. Mas com a revolução, as questões se apresentaram objetivamente e produziram tendências. Uma dessas tendências que teve forte impacto na construção do novo modelo, foi a que veio da vertente marxista de Rosa Luxemburgo, para quem a “revolução proletária era o último estágio da economia política enquanto ciência”. Bukharin representou a frente dessa corrente de economistas que teorizavam que, em uma sociedade socialista não operam leis econômicas, uma vez que a economia política era uma ciência própria do modelo capitalista e, portanto, deveria se extinguir quando o sistema desaparecesse. A tese em torno das leis econômicas também aflora das divergências iniciais e nas mais aparentes disputas entre Stalin e Bukharin ao explicar o funcionamento do novo modelo. Problema que se intensificou num estágio mais avançado da aplicabilidade e das resoluções nos modos de operar do sistema socialista.

Segundo Oskar Lange, a diferença essencial na ação das leis econômicas em uma sociedade socializada estaria na organização consciente e deliberada, isto é, de acordo com a vontade humana, inspirando-se na perspectiva de Engels, ao dimensionar o fator empírico na observação da natureza, que orientava o que chamou de capacidade da sociedade para controlar conscientemente as leis e seu próprio funcionamento, ao chamar isto de ‘salto do reino da necessidade para o reino da liberdade’30

O debate se aprofundava na medida em que se somavam análises sobre o modelo socialista, em que a ‘lei do valor’ continuava operando na difusão das mercadorias que produzia e na afirmação de que as leis econômicas, ao fluírem do próprio mecanismo para organizar o funcionamento do sistema da nova sociedade socialista, faziam-se cada vez mais influentes e, assim, tendiam a diminuir o papel da força econômica extra do Estado.

Afirmação que possibilitou que se discutisse a perspectiva que buscou negar que a sociedade socialista estaria submetida às leis do materialismo histórico. É interessante observar que os trabalhos de Lange buscaram afirmar que, ao contrário, o funcionamento do modelo estava sob influência do materialismo histórico e o desenvolvimento social no interior desse novo modelo se realizava mediante a ação de contradições:


 

“Se acreditava que todas as contradições sociais, todas as contradições da vida humana, desapareciam, automaticamente, em uma sociedade socialista.

Esta opinião é totalmente incompatível com a teoria marxista. Expressa uma atitude escatológica-cristã, não uma atitude científica marxista. O socialismo não é a realização do ideal religioso do reino de Deus, mas uma etapa nova do desenvolvimento da sociedade humana, etapa que pode e deve ser estudada com os métodos de análise marxista.

A Mao Tsé-Tung se deve o mérito de haver observado o fato de que também a sociedade socialista se desenvolve por contradições”31


 

Neste sentido, considerava que as contradições eram a força motriz do desenvolvimento social, segundo a teoria do materialismo histórico. De um lado, pelas contradições entre as forças produtivas e o caráter restritivo das relações de produção, por outro, pelas contradições entre o modo de produção (que chama de base econômica da sociedade) e a superestrutura. Considerava também que um dos fatores mais variáveis no interior do modelo socialista consistia na maneira como a sociedade se organizava, pois, segundo ele, a diferença entre uma sociedade socialista e uma sociedade baseada na luta de classes está na contradição entre as forças produtivas e o caráter restritivo das relações de produção que tomam a forma de luta de classes:


 

“O que não acontece numa sociedade socialista. Em contrapartida, temos contradições no socialismo em função da carência de caráter antagônico”32


 

CONCLUSÃO


 

O planejamento econômico se constituiu como o método essencial empregado pela economia socialista para se atingir o rápido desenvolvimento, num contexto em que os meios de produção ‘se tornaram propriedade pública’, submetidos a um plano econômico nacional geral. Há que se destacar, contudo, que a eficácia do método inspirou políticas públicas, não somente dos países que estavam no processo de construção como no modelo nacionalista-revolucionário, mas também se espalhou como uma espécie de método do pós-Guerra para a reconstrução, inspirando antigas e tradicionais economias capitalistas.

A pesquisa bibliográfica indicou que Oskar Lange apresentou o tema da planificação econômica em diversos debates e conferências, ressaltando o impacto que a questão produziu como mudança de paradigma para o desenvolvimento das nações. A planificação foi demostrada como um tema novo e uma contribuição da política econômica socialista, mas também uma contribuição para antigas economias capitalistas.

A experiência concreta demonstrada pelo rápido desenvolvimento que ocorria nos países socialistas evidenciou uma tendência que operava mudanças no interior do paradigma dos países subdesenvolvidos. Pois muitos buscaram o desenvolvimento ao mesmo tempo em que aspiravam, na tecnologia social, acelerar uma revolução nacionalista e emancipatória do neocolonialismo, deslocando-se, em bloco geopolítico, à esquerda do modelo capitalista. Essa tendência foi muito marcante na história econômica.

Por fim, destaca-se o desafio que representou para as economias capitalistas “não ficar para trás quanto à elevada taxa de desenvolvimento dos países socialistas”, como também a necessidade de se manter dentro da concorrência internacional em transformação acelerada entre o sistema econômico socialista e capitalista. E por fim, ressalta-se a necessidade que se impôs acima de todas as questões, a de encontrar um caminho para solucionar a problemática do século: o subdesenvolvimento.


1 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica. São Paulo: Nova Cultural, 1986

____. Problemas de Economía Política del Socialismo. México-Buenos Aires Fondo de cult Ec., 1965

2 Fernand Braudel. História e Ciências Sociais em Revista de História da USP, São Paulo, n. 63, v. 1965

3 Eric Hobsbawm. A Era dos Extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2014

4 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica, op.cit.

5 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica.;34; Oskar Lange. Problemas de Economía Política del Socialismo, op. cit.

6 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica, op. cit.; Oskar Lange. Problemas de Economía Política del Socialismo, op. cit.

7 ______. Ensaios sobre Planificação Econômica, op. cit.

8 Karl Marx, O Capital: Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, 3 v.

9 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica, op.cit.:35

10 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica, op. cit:35-36

11 Idem

12 idem

13 idem

14 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica.:36

15 Idem

16 idem

17 Idem

18 idem

19 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica, op.cit.:37

20 Idem

21 Idem

22 Oskar Lange. Ensaios sobre Planificação Econômica. op. cit.:37

23 Oskar Lange. Ensaio sobre Planificação Econômica, op. cit.:37

24 Idem

25 Idem.:38

26 Oskar Lange. Ensaio sobre Planificação Econômica, op. cit.; Oskar Lange. Problemas de Economia Politica del Socialismo, op. cit.

27 Oskar Lange. Ensaio sobre Planificação Econômica, op. cit.; Oskar Lange. Problemas de Economia Politica del Socialismo, op. cit.

28 Oskar Lange. Problemas de Economía Política del Socialismo., op. cit.:35

29 Oskar Lange. Problemas de Economía Política del Socialismo., op. cit :8

30 Idem:10

31 Problemas de Economía Política del Socialismo, op. cit.: 8

32 Idem: 9