Surgimento e Manutenção de Pequenas Propriedades Rurais no Espírito Santo

 

Márcia Regina Batista1 (PPGHIS-UFES)2

 

Introdução

Esse artigo objetiva mostrar que as condições históricas do Espírito Santo, no século XIX, favoreceram a formação da pequena propriedade rural, produzindo com mão de obra familiar e destinando parte de sua produção para a exportação, sendo a principal lavoura a cafeeira. A política governamental de erradicação do café e de modernização da economia, na segunda metade do século XX, levou à maior concentração fundiária no Espírito Santo, que passou de 0,51 (índice Gine) em 19503 para 0,671 (índice Gine) em 19854. Apesar disso, dados de 20065 mostram que o solo capixaba ainda figura em quinta posição entre os estados com menor concentração da terra.


 

A ocupação do interior da província do Espírito Santo, no século XVIII, foi proibida pela Coroa, como estratégia para proteger as minas de ouro que ficavam a oeste da costa capixaba. Só depois do esgotamento das jazidas e da vinda da família real portuguesa para o Brasil é que foi permitido avançar para o interior do território capixaba. Até a metade do século XIX, o Espírito Santo apresentava baixa exploração econômica se comparado às províncias vizinhas6. A população era pequena, 35 mil habitantes, segundo o censo de 1824, e concentrava-se no litoral, ao sul do Rio Doce, e, ao norte, havia um pequeno núcleo, o de São Matheus7.


 

A pouca dinâmica da economia do Espírito Santo do século XIX é atribuída, pelos presidentes de província, segundo Raasch8, ao isolamento e à “desocupação” de grande parte do território capixaba. Esse isolamento se refere à falta de estradas em boas condições que pudessem ligar a capital Vitória ao interior da província e a outras províncias do Império. Essa falta de ligação entre as regiões dificultava o escoamento dos produtos capixabas.


 

A base da economia do Espírito Santo, até meados do século XIX, era a produção de açúcar, produto que não favoreceu a expansão econômica da província. Os poucos engenhos existentes funcionavam de maneira arcaica, o que resultava em pouco lucro. Apesar deste cenário, a maior parte da população lavradora da província se dedicava ao plantio da cana-de açúcar, que era o principal produto agrícola industrial. Após 1850, iniciou-se a decadência do açúcar na economia capixaba e o café passou a ocupar lugar de destaque9.


 

O cultivo do café, no século XIX, foi de fundamental importância no processo de ampliação das propriedades com agricultura10. A data em que o café chega ao Espírito Santo é difícil precisar. Sua presença é confirmada nos mapas de exportação dos anos de 1826 e 1827, em quantidade muito pequena. No ano de 1840, o cultivo do café já apresenta dimensões comerciais sendo cultivada, inicialmente, próximo à cidade de Vitória11.


 


 


 


 

Áreas de produção de café no Espírito Santo


 

As duas principais frentes de ocupação de território ocorridas no século XIX se deram na porção sul e na porção central da província. Ao sul da província, ocorreu nos vales do Itapemirim e do Itabapoana. Estas terras, ainda não cultivadas, estavam na vizinhança das regiões cafeeiras do Rio de Janeiro e de Minas Gerais e, por isso, atraíram seus fazendeiros, que trouxeram recursos e instalaram novas fazendas com mão de obra escrava para produzir. O sul do Espírito Santo estava muito ligado à economia fluminense: o café produzido era comprado por comissários do Rio de Janeiro e exportado pelo porto daquela localidade, onde pagava-se o imposto12. Saletto esclarece como as pequenas propriedades rurais eram organizadas:


 

A forma de organização da produção predominante foi a de plantagem, caracterizada por: a) vasta superfície, b) especialização na produção para o mercado externo, c) existência de um setor de produção de autossubsistência subordinado ao setor mercantil, d) conjugação do cultivo com beneficiamento de produção, e) integração interna de diversas atividades complementares (transporte, construção, serraria, carpintaria, olaria, fiação e tecelagem, etc)13.


 

As fazendas do sul do Estado eram grandes em extensão: cerca de dois mil hectares, mas apenas uma parcela dessas terras produzia. Para fazer um comparativo em relação ao tamanho das propriedades no Oeste Paulista, as grandes fazendas tinham em torno de 700 hectares. Um dos maiores cafezais do Espírito Santo era composto de 200 mil pés, enquanto no Oeste de São Paulo podia chegar a oito milhões de plantas14.


 

Inicialmente, a parte central do Espírito Santo foi ocupada por imigrantes estrangeiros. Durante o Império, a província foi escolhida para o assentamento de colônias, que eram parte do programa do governo central para estimular a vinda de imigrantes estrangeiros, para povoamento do território e substituição da mão de obra escrava. 15. Assim, a ocupação das serras do centro do Espírito Santo, em meados do século XIX, ocorreu por imigrantes estrangeiros em colônias fundadas pelo governo. As primeiras colônias foram: Santa Isabel (1847), Santa Leopoldina (1857) e Rio Novo (1855). Essas colônias receberam também imigrantes retirantes das secas nordestinas16.


 

As colônias eram, para muitas famílias, apenas ponto de chegada, não permanecendo nelas por muito tempo. Elas seguiam avançando, em busca de terras mais férteis, para oeste e para o norte17. Nas colônias, a produção nos sítios era diversificada, o que garantia o sustento da família. Para comercialização, era plantado o café, produto que propiciava renda em dinheiro à família18.


 

Criou-se uma rede de comércio para concentrar a produção das colônias, que era feita em pequena escala nos sítios, e assim favorecer a negociação. Nessa rede, cabia ao agricultor a produção do café em seu sítio, utilizando mão de obra familiar, e o repasse para o vendeiro local, e desta forma o colono podia comprar outras mercadorias19. Segundo Lima20, era o vendeiro que agenciava a comercialização do café e fornecia aos colonos o que eles não produziam: sapatos, querosene, lampiões, tecidos, máquinas de costura, utensílios de cozinha, etc. Esse tipo de comércio, segundo Junior21, podia acontecer com ou sem o uso do dinheiro.


 

Em seguida o café era adquirido pelos comerciantes de segunda classe, localizados em cidades próximas às regiões produtoras. Tanto o vendeiro quanto o comerciante de segunda classe eram responsáveis pela concentração do café. Esse café era vendido, então, para as casas comerciais sediadas em Vitória. A venda de produtos importados utilizava essa mesma rede de comércio, em sentido contrário, para chegar a todo o estado. O vendeiro e o comerciante de segunda classe não tinham conhecimento do preço do café nos mercados, o que facilitava aos exportadores comprarem o produto a menor preço22.


 

Ao estudar as colônias, Rocha23 desfaz a ideia de que a produção de café nas pequenas propriedades era inviável, já que os sítios produziram para o mercado externo. A produção das colônias era exportada pelo porto natural de Vitória. Até o final do Império, o movimento comercial era pequeno, com navegação de pequena e grande cabotagem. A navegação de grande cabotagem fazia o trajeto, principalmente, para o Rio de Janeiro. Somente em 1881, chegaram, ao litoral, navios estrangeiros24.


 

As colônias remetem muito à chegada de imigrantes estrangeiros ao Espírito Santo e estes, por sua vez, estão associados à produção cafeeira, sendo que, em geral, a historiografia capixaba ofusca a presença dos nacionais. No entanto, segundo Saletto25, a população capixaba, nos censos de 1872 e 1890, cresceu 36% devido à imigração estrangeira e 65,5% devido à entrada de retirantes das secas do Nordeste. Também é importante mencionar a entrada de imigrantes mineiros e fluminenses no território capixaba, ocorrida no século XIX. E ainda, segundo Almada26, os nacionais no Espírito Santo tiveram grande relevância nas fronteiras agrícolas, tanto no povoamento quanto como mão de obra nas fazendas.


 

O cenário que se apresenta é, então, o seguinte: ao sul, o café sendo produzido pela grande propriedade com trabalho escravo e, na região central, o café sendo produzido em pequenas propriedades com mão de obra familiar. As crises do café afetaram de modo diferente essas duas modalidades de produção.

As grandes fazendas da região sul do Estado enfrentaram grandes adversidades com a abolição da escravatura. Até às vésperas da abolição, não havia preocupação considerável em relação à necessidade de substituição da mão de obra por parte dos fazendeiros sulistas. Desse modo, quando a liberdade dos cativos ocorreu, os fazendeiros sofreram perdas de safra e tiveram a produção desorganizada. O problema da mão de obra na lavoura foi parcial e temporariamente resolvido com a chegada dos imigrantes estrangeiros, dos retirantes das secas nordestinas e dos libertos porque essa força de trabalho era transitória, uma vez que o desejo desses trabalhadores era de tornarem-se proprietários, e havia muita terra devoluta no Espírito Santo. Com a crise de 1896, muitas fazendas foram abandonadas, vendidas inteiras ou fragmentadas27.


 

No caso da pequena propriedade, em tempos de crise, havia menos possibilidade de se conseguir dinheiro e, assim, comprar bens importados. Como as unidades produziam quase tudo do que precisavam para a sobrevivência familiar, diminuíam-se os gastos, mas sem abrir mão do plantio de café, pois deste vinha a renda pecuniária para a família28.


 

Observa-se que a pequena propriedade não ficou restrita às criadas pelo Governo, nas colônias, nem foi caracterizada unicamente pelo trabalho do imigrante estrangeiro. As invasões de terras não foram impedidas pelo Estado, que desenvolveu uma política que facilitava a legalização dessas posses por pessoas sem recursos que tivessem suas propriedades integradas à produção mercantil29. O que facilitou o acesso a terra pelos nacionais.


 

No início do século XX, a economia do Espírito Santo estava calçada na produção de café para a exportação em pequenas propriedades. As relações de trabalho eram em sua maior parte a mão de obra da família, em menor proporção a parceria e ressalta-se que havia ausência de relações de trabalho assalariado. Como consequência, a estrutura comercial era formada por pequenos comerciantes ou pequenos capitais comerciais. Somente após a Primeira Guerra Mundial é que o capital comercial do Espírito Santo se tornou exportador30.


 

Fatores que favoreceram a pequena propriedade rural no Espírito Santo


 

As condições de produção na pequena propriedade familiar eram rudimentares, o que resultava em baixa produtividade. Da mesma forma, o baixo volume de produção do Espírito Santo (5,4% do total nacional em 1890) permite concluir que o excedente apropriado pelo capital comercial também era baixo, o que já define a limitação da acumulação31.


 

A transformação dessa estrutura produtiva, pequena e familiar, para outra com características capitalistas, em que a produção fosse dominada pelo capital e as relações de trabalho fossem assalariadas, não parecia possível em curto espaço de tempo. Para que ocorresse a formação de um mercado com trabalho livre, seria necessário que os trabalhadores não tivessem acesso à terra, que as terras agricultáveis fossem apropriadas pelo capital e que o Estado conseguisse impedir o estabelecimento de pequenos proprietários nas muitas terras devolutas do Espírito Santo32.


 

A criação das condições necessárias para produção capitalista: mercado livre e despossuídos era muito difícil até 1920, pela existência de muitas terras devolutas no estado (75% do território). O capital local não dispunha de meios para ocupar as terras devolutas e, assim, condicionar agricultores ao trabalho assalariado, e também não havia atrativos suficientes para o capital de outras regiões. A acumulação do capital não era possível devido à baixa produtividade, pequeno volume de produção e grande quantidade de terras devolutas que impediam a formação da mão de obra livre e assalariada33.


 

O comércio no Estado também era limitado pela falta de variedade e de volume de produção, o que dificultava a acumulação. Como as propriedades produziam quase tudo do que precisavam para sua subsistência, apenas eram adquiridos, no mercado, produtos, como: arame farpado, querosene, sal etc., o que limitava ainda mais as transações econômicas. Esse consumo se reduzia ainda mais nos tempos de crise. Isso implicava na pouca mercantilização da agricultura produtora de alimentos. Diante desse quadro, não era possível que o capital fosse investido em setores manufatureiros para atender ao mercado local, e também não era viável o surgimento de unidades agrícolas que se especializassem em produzir alimentos34.


 

Se, por um lado, essas condições não permitiram a acumulação de capital, por outro, tornaram possível a expansão da pequena unidade produtora familiar. Esta sobreviveu às crises porque tinha alto grau de autossuficiência e, em época de bons preços do café, aumentava a lavoura e multiplicava o número de pequenas propriedades pelo desmembramento das famílias nas fronteiras agrícolas.


 

Se essa dinâmica dificultava a formação de um mercado livre de trabalho, ela contribuía com o aumento da geração de excedentes e com a procura por bens tradicionais importados, criando melhor condição de acumulação de capital sob a forma mercantil. Isso ocorreu no fim da Primeira Guerra Mundial e na década de vinte. Com a recuperação do preço do café, a lavoura aumentou, assim como o número de pequenas propriedades, o que permitiu o aparecimento das primeiras casas exportadoras locais. Contudo, reduzido o capital comercial, a pequena demanda e a baixa urbanização não favoreceram o aparecimento de indústrias de grande porte no Espírito Santo35.


 

Liberação da mão de obra e industrialização


 

Na região sul do Espírito Santo, após a abolição da escravatura, o mercado era desfavorável para o fazendeiro porque este não podia aumentar o seu ganho na relação de parceria sob pena de perder seu trabalhador que, tendo à disposição terras devolutas, podia decidir se tornar posseiro. Em 1910, a realidade já era outra porque acabaram as possibilidades de posse de terras devolutas ao sul do rio Doce, aumentando as pressões sobre a mercantilização da terra. Esse processo foi acelerado com a grande quantidade de imigrantes que chegaram vindos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, completando o processo de proletarização36.


 

A partir de 1925, a fronteira agrícola chega à região de Colatina, próxima ao Rio Doce, e depois da construção da ponte sobre o Rio Doce, em 1928 (no trecho em que passa por Colatina), ocorreu grande procura de terra na região norte do Estado. O café se tornou muito importante para a economia capixaba, sendo responsável por 90% das exportações (1902-1931). Neste período, o café gerava 70% da receita do Estado37.


 

Na década de 1960, acordos internacionais assinados pelo Governo Central reduziram a cota de exportação do café brasileiro, diminuindo muito a exportação do café do Espírito Santo, porque seu produto tinha qualidade irregular e seus cafezais já estavam velhos38. Nos anos 60, a cafeicultura que sustentava a economia do estado desde meados do século XIX contava com 500 mil hectares plantados e passava por grave crise de superprodução do produto. As grandes safras repetidas promoveram a queda do preço do produto, que não conseguia se recuperar. Se em outras crises o Governo Federal optou por queimar os estoques de café para diminuir a oferta do produto, na década de 1960 optou pela erradicação dos cafezais. Essa ação foi efetivada pelo Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura (GERCA) e pelo Instituto Brasileiro do Café39.


 

O GERCA, em seu plano diretor, previa: erradicação de cerca de dois bilhões de pés de cafés no Brasil, estímulo à diversificação de produção e ao desenvolvimento da indústria, além do aparelhamento da infraestrutura das regiões produtoras. No Espírito Santo, 180 milhões de pés de cafés foram arrancados entre 1962 e 1966, aproximadamente 45% da lavoura. Estima-se que 180 mil pessoas ficaram desempregadas na área rural do Espírito Santo. Desse contingente, 60 mil foram assimilados pela agropecuária, 30 mil se dirigiram para as periferias de Vitória, Colatina e Cachoeiro do Itapemirim, e 90 mil se deslocaram para os Estados da Guanabara e Paraná40.


 

O segundo programa de erradicação pagou por hectare de café arrancado quatro vezes o que a lavoura produziria. Conforme contrato, as terras deveriam produzir culturas diversificadas, como: milho, feijão e mandioca. Findos os prazos exigidos em contrato, grande parte das terras foi ocupada por pastagens, com considerável diminuição da necessidade de mão de obra. Assim, levas maiores de trabalhadores foram sendo expulsas das áreas rurais. Parte desse contingente seguiu para uma nova fronteira agrícola nacional que, em 1970, abria-se em Rondônia, e outros seguiram para as cidades. A cafeicultura, contudo, foi retomada e, em 1990, os cafezais capixabas produziram mais do que o dobro que a produção de 196041.


 

No ano de 1966, o estado do Espírito Santo foi indenizado pela queda na receita, devido ao corte dos cafezais. Dessa forma, o Governo Estadual teve meios de aplicar em infraestrutura e modernização da máquina administrativa. Nessa primeira fase de investimentos, que durou até 1975, o Estado optou por investir em indústrias tradicionais, como a agroindústria, a alimentícia e a madeireira, priorizando os grupos econômicos locais42.


 

Algumas benfeitorias na infraestrutura foram: em 1960, rodovia pavimentada ligando Vitória ao Rio de janeiro (BR 101); em 1966, conclusão da rodovia ligando Vitória a Bahia (em 1969, a mesma já estava pavimentada); em fins de 1960 e início de 1970, rodovias ligando Vitória a Belo Horizonte (BR 262 e BR 259)43.


 

Na segunda fase de investimentos, a partir de 1975, ocorreu a entrada de grande capital nacional e internacional, com menor investimento de capital local. A agricultura foi modernizada, cresceu o número de trabalhadores assalariados na zona rural, a lavoura cafeeira foi ampliada e se iniciou o plantio de árvores visando a produção de papel e celulose44.


 

Alguns grandes investimentos do período são: investimentos na Cofavi; construção do Porto de Tubarão (da Companhia Vale do Rio Doce), da Companhia de Ferro e Aço, da Cimental Siderúrgias S.A., da Samarco e da Aracruz Celulose (produção e exportação de papel e celulose). Os chamados “Grandes Projetos” geraram cerca de 20 mil empregos diretos e 22 mil empregos transitórios45.


 

Evolução do tamanho das propriedades rurais no Espírito Santo


 

Todos esses acontecimentos na vida econômica do Estado levaram à concentração da propriedade fundiária. Ainda assim, o século XXI encontrou o Espírito Santo com grande número de pequenas propriedades. A divisão do território capixaba em pequenas unidades à base da mão de obra familiar, efetivada durante o século XIX e início do XX, fez com que fosse muito elevado o número de produtores rurais na condição de proprietários. Esses representavam 94% em 1920 e 73% em 1940, segundo os recenseamentos agrícolas nesses períodos46. Observando-se a evolução do Índice de Gini, em relação às Unidades da Federação, nos anos de 1985 até 2006 (IBGE, Censo Agropecuário 1985-2006), o índice de concentração no Estado fica abaixo da média nacional, em quinto lugar47.


 

Castiglione (2009) esclarece como era a condição fundiária antes da erradicação dos cafezais, ocorrida na década de 1960, e da implantação da indústria de grande porte, efetivada na década de 1970:


 

Em 1950 a concentração de terras no Espírito Santo era a menor apresentada pelos estados do Brasil: o valor do índice de Gini calculado para o Brasil, igual a 0,84, indica uma forte concentração das terras, no Espírito Santo o valor do indicador é de 0,51 (IBGE, 1998). As pequenas e médias propriedades, com menos de 100 ha ocupavam 18% da área total das propriedades do país enquanto que, no Espírito Santo, este grupo ocupava mais da metade da área, 52,5%. No censo posto, as fazendas de 1.000 ha ou mais ocupavam, em 1950, a metade da área total das propriedades do país e apenas 7,5% no Espírito Santo48.


 

Após as reformas, nas décadas de 1960 e 1970, observa-se o aumento da concentração de terras no Espírito Santo. A Tabela 1 demonstra a evolução do índice Gini para concentração fundiária no Estado.


 

Tabela 1 – Evolução do índice Gini no Brasil e Espírito Santo


 

 

1985

1995

2006

Brasil

0,857

0,856

0,872

Espírito Santo

0,671

0,689

0,734


 

O Brasil, segundo Castiglione49, em 1950 possuía o valor do índice Gini para concentração fundiária de 0,84 e chega ao ano de 2006 (IBGE)50 com a concentração em 0,872, um aumento de 0,032 pontos. Isso significa que já havia uma grande concentração de terras em meados do século XX, e esse índice seguiu se elevando. O Espírito Santo, que, em 1950, tinha o índice Gini para concentração fundiária de 0,51, chegou ao ano de 2006 com o índice em 0,734. Devido às condições históricas, o Espírito Santo conseguiu a fragmentação da terra e sua melhor distribuição entre a população durante o século XIX e início do XX. Esse quadro vai ser alterado por ações governamentais de modernização que levaram à concentração da terra. A concentração fundiária alcança expressivo aumento de 0,224.


 

Apesar desse aumento, comparando-se o Espírito Santo com outras unidades da Federação, no censo de 2006, o Estado aparece em quinta posição entre os menos concentrados. Assim, temos: Roraima com concentração de 0,664, seguido por Santa Catarina com 0,682, Acre com 0,716 e Rondônia 0,717. O Espírito Santo consta logo após o estado de Rondônia, com um índice de concentração de 0,73451.


 

Nessa mesma linha de afirmação, e também se utilizando de dados do IBGE (2006), Rodrigues52 demonstra que, no Espírito Santo, a agricultura familiar está presente em cerca de 80% dos estabelecimentos agropecuários.


 

Considerações finais


 

O Espírito Santo chegou ao século XIX com grande parte de seu território ainda habitado por nativos. As poucas áreas onde era praticada a agricultura produziam açúcar, farinha de mandioca e madeira para o mercado, com baixas qualidade e quantidade. A decadência da produção açucareira ocorre concomitante à ascensão da produção de café. A busca por novas áreas de plantio trouxe imigrantes mineiros e fluminenses que se instalaram na região sul do estado capixaba. Na região central da província, por incentivo dos governos federal e estadual, foram implantadas colônias para instalar imigrantes estrangeiros.


 

Criaram-se dois principais polos de produção de café: ao sul, em grandes fazendas escravistas, cuja produção ia diretamente para o Rio de Janeiro, pagando nessa praça os seus tributos, e outra na região central, com mão de obra familiar, que escoava o produto pelo porto de Vitória e gerava renda para o estado.


 

O fim do regime de servidão e as crises do café afetaram profundamente as grandes fazendas e muitas delas foram vendidas inteiras ou fragmentadas. Esse processo levou ao aumento da produção de café em pequenas propriedades rurais. Por muito tempo, a grande quantidade de terras devolutas permitiu que imigrantes nacionais e estrangeiros não precisassem se submeter ao trabalho em terra alheia, já que era possível a legalização da posse da terra que estivesse produtiva.


 

O primeiro momento de desequilíbrio nessa ordem ocorreu com o esgotamento das possibilidades de posse de terras devolutas ao sul do Rio Doce que, somada à entrada de contingentes de imigrantes mineiros e fluminenses, forçou, enfim, a aceitação do trabalho assalariado por parte desses trabalhadores.


 

As crises de superprodução, ocorridas no século XX, levaram o Governo Federal a erradicar cafezais e a estimular a indústria. Até o ano de 1966, cerca de 180 mil pessoas ficaram desempregadas na área rural do Espírito Santo, sendo que posteriormente outro contingente maior que esse foi liberado do campo. A partir de 1975, o Governo Federal efetivou no estado capixaba o estímulo a grandes projetos industriais e as empresas criaram, entre empregos diretos e indiretos, 42 mil vagas.


 

Esse processo de modernização levou à concentração fundiária no Estado, mas, apesar disso, o Estado chegou ao século XXI em quinto lugar entre os estados com menos concentração, com 80% de propriedades capixabas sendo familiares.

1 Mestranda orientada pela Profa. Dra. Maria Cristina Dadalto.

2 Trabalho realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

3 Artigo: Aurélia H. Castiglione, Mudanças na estrutura demográfica do Espírito Santo ocorridas durante a segunda metade do século XX. GEOGRAFARES, nº 7, 2009, p. 93-110. Disponível em: <http://www.periodicos.ufes.br/geografares/article/view/153&gt;. Acesso em 10 de dez. 2018.

4 Site: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 1985/2006. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagr…;. Acesso em 21 de jan. 2019.

5 Ibidem.

6 Livro: Cilmar Franceschetto, Imigrantes: Espírito Santo. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2014, 19 v. (Coleção Canaã), p. 54.

7 Livro: Nara Saletto, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 25-27.

8 Dissertação: Sillas Raasch, A colônia de Santa Isabel e seus imigrantes 1847-1889. 2010. 189 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2010, p. 38.

9 Livro: Maria da Penha Smarzaro Siqueira, O desenvolvimento do Porto de Vitória 1870-1940. Vitória: CODESA, 1995, p. 35.

10 Livro: Gabriel Bittencourt, História geral e econômica do Espírito Santo. Vitória: Multiplicidades, 2006, p. 164.

11 Livro: Nara Saletto, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 28.

12 Livro: Nara Saletto, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 36.

13 Ibidem.

14 Ibidem, p. 36-37.

15 Site: Joel Soprani, O povoamento de Cachoeiro. 21 de jul. 2016 – Morro do Moreno, Disponível em: <http://www.morrodomoreno.com.br/materias/o-povoamento-de-cachoeiro.html…;. Acesso em 01 de nov. 2018.

16 Livro: Nara Saletto, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 51-52.

17 Dissertação: José Lazaro Celin, Migração Europeia, expansão cafeeira e o nascimento da pequena propriedade no Espírito Santo. 1984. 277 f. Dissertação (Mestrado em Economia). Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1984, p. 112.

18 Dissertação: Maria Helena Palmer Lima, O processo de emancipação municipal no Estado do Espírito Santo. 2000. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000, p. 61.

19 Livro: Carlos Teixeira de C. Costa Junior, O Novo arrabalde. Vitória: PMV / Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996, p. 110.

20 Dissertação: Maria Helena Palmer Lima, O processo de emancipação municipal no Estado do Espírito Santo. 2000. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000, p. 61.

21 Livro: Carlos Teixeira de C. Costa Junior, O Novo arrabalde. Vitória: PMV / Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996, p. 110.

22 Livro: Carlos Teixeira de C. Costa Junior, O Novo arrabalde. Vitória: PMV / Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996, p. 115-116.

23 Livro: Gilda Rocha, Imigração estrangeira no Espírito Santo 1847-1896. Vitória: [s.n.]. 2000, p. 140.

24 Ibidem.

25 Livro: Nara Saletto, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 193.

26 Livro: Vilma Paraíso Ferreira de Almada, Escravismo e transição: o Espírito Santo (1850-1880). Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 23-26.

27 Livro: Maria da Penha Smarzaro Siqueira, O desenvolvimento do Porto de Vitória 1870-1940. Vitória: CODESA, 1995, p. 86-105.

28 Livro: Haroldo Rocha; Maria da Penha Cossetti, Dinâmica cafeeira e constituição de indústrias no Espírito Santo: 1850/1930. UFES - Departamento de Economia, 1983, p. 65.

29 Livro: Maria da Penha Smarzaro Siqueira, O desenvolvimento do Porto de Vitória 1870-1940. Vitória: CODESA, 1995, p. 140.

30 Livro: Haroldo Rocha; Maria da Penha Cossetti, Dinâmica cafeeira e constituição de indústrias no Espírito Santo: 1850/1930. UFES - Departamento de Economia, 1983.

31 Livro: Haroldo Rocha; Maria da Penha Cossetti, Dinâmica cafeeira e constituição de indústrias no Espírito Santo: 1850/1930. UFES - Departamento de Economia, 1983, p. 130.

32 Ibidem, p. 131.

33 Ibidem.

34 Ibidem p. 132.

35 Ibidem, p. 133-135.

36 Livro: Nara Saletto, Trabalhadores nacionais e imigrantes no mercado de trabalho do Espírito Santo (1888-1930). Vitória: EDUFES, 1996, p. 238-239.

37 Dissertação: Maria Helena Palmer Lima, O processo de emancipação municipal no Estado do Espírito Santo. 2000. Dissertação (Mestrado em Geografia) Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000, p. 65.

38 Ibidem, p. 83.

39 Site: Morro do Moreno, Ouro Negro. Escritores Capixabas. Publicada em 02/12/2014. Disponível em: <http://www.morrodomoreno.com.br/materias/ouro-negro.html&gt;. Acesso em 21 de fev. 2019.

40 Dissertação: Maria Helena Palmer Lima, O processo de emancipação municipal no Estado do Espírito Santo. 2000. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000, p. 84.

41 Ibidem, p. 84-85.

42 Ibidem, p. 87-92.

43 Ibidem, p. 93.

44 Ibidem, p. 92.

45 Ibidem, p. 93-94.

46 Ibidem, p. 61.

47 Site: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 1985/2006. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_2006/defaulttab_brasil.shtm>. Acesso em 21 de jan. 2019.

48 Artigo: Aurélia H. Castiglione, Mudanças na estrutura demográfica do Espírito Santo ocorridas durante a segunda metade do século XX. GEOGRAFARES, nº 7, 2009, p. 93-110. Disponível em: <http://www.periodicos.ufes.br/geografares/article/view/153&gt;. Acesso em 10 de dez. 2018.

49 Ibidem.

50 Site: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Agropecuário 1985/2006. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagr…;. Acesso em 21 de jan. 2019.

51 Ibidem.

52 Tese: Celia J. S. Rodriguez, As formas de fazer agricultura e os modos de ser agricultor em municípios da região central do estado do Espírito Santo. 2016. 214 f. TESE (Doutorado em Desenvolvimento Rural) Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017, p. 18.