As Indústrias dos Trabalhadores durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
Igor Pasquini Pomini (PPGHE/USP)
Em 19 de julho de 1936 se iniciou um dos conflitos mais importantes do século XX, a Guerra Civil Espanhola. Tal contenda muitas vezes aparece para o público leigo como uma guerra que fora travada entre fascismo e antifascismo, inserido primordialmente no jogo político europeu que antecedeu à Segunda Guerra Mundial, o que é uma grande simplificação dos acontecimentos. Na verdade, a Guerra Civil Espanhola tem suas raízes em causas endógenas profundas – sem se esquecer também das causas exógenas –, e se ancorou em uma crise social, política e econômica com raízes na agudização da luta de classes que se iniciara ainda no século XIX. Como salientou Manfrédonia (2002) “A guerra da Espanha não poderia, em nenhum caso, ser apreendida como uma luta a favor ou contra o fascismo, senão como a última tentativa para o proletariado revolucionário de opor-se à reação, realizando a revolução social.”1.
O conflito espanhol teve início após uma tentativa frustrada de militares insurretos tomarem o poder com o objetivo imediato de liquidar a jovem República, que fora proclamada em 1931. Na verdade, o plano inicial consistia em organizar um pronunciamiento2, como era bastante recorrente na política espanhola no século XIX e início do século XX. Mas, de forma inesperada para os insurretos, a classe trabalhadora resistiu, organizada e armada por partidos políticos e organizações sindicais. Dentre estas, a principal era a Confederação Nacional do Trabalho – CNT –, maior central sindical espanhola no período, de tendência anarquista e sindicalista revolucionária. Seus militantes, que haviam sido preparados por anos de lutas de classe revolucionária3 – principalmente na região da Catalunha, onde a CNT praticamente monopolizava o movimento operário –, e por isso tinham uma experiência em combates de rua, conseguiram deter o golpe militar em várias partes da Espanha, incluindo nas regiões mais importantes do país, como a Catalunha, Castela e Levante, onde estão localizadas cidades muito importantes como Madri, Barcelona, Valência e Málaga. O Norte também não foi tomado imediatamente pelos insurretos, e tinha como principais centros as cidades de Bilbao, Santander e Oviedo.
Depois de alguns dias de combates e após o encerramento da greve geral convocada quando do golpe militar, ao retornarem ao trabalho os operários perceberam que muitos dos antigos proprietários e seus auxiliares haviam desaparecido, alguns dos quais estavam envolvidos com a tentativa de golpe4. Aos trabalhadores restava apenas duas opções: voltar para a casa e ficar sem ocupação, ou então assumir o comando das empresas com seus próprios meios, o que hoje normalmente se denomina autogestão. Este segundo caminho foi o escolhido por grande parte dos militantes operários, inclusive os que não eram filiados à CNT, o que explica o grande número de trabalhadores de diversas correntes que participaram em tais processos – indo desde anarquistas e comunistas até republicanos, nacionalistas e até grupos religiosos –, mesmo que isso contrariasse as consignas oficiais de suas organizações. No entanto, é preciso acrescentar que a autogestão na Espanha não foi fruto apenas de uma situação “de facto”, ou seja, resultado da fuga dos proprietários. Na verdade, ainda durante os combates de rua, destacamentos armados de trabalhadores expropriavam de forma sistemática as empresas ou iam buscar os antigos donos em suas casas ou qualquer outro local em que eles estivessem. Daí muitos deles terem desaparecido, mesmo quando não estavam implicados diretamente com a tentativa de golpe militar, pois ficaram com medo. Muitos dos que não fugiram sofreram violência, podendo ser desde atos de agressão e até mesmo chegando a casos de morte. Cabe menção também de que muitos dos antigos proprietários foram incorporados em sua antiga empresa, agora sob controle dos trabalhadores, na condição de trabalhador. Em alguns locais estes tinham exatamente os mesmos direitos dos demais, e em outros eles sofriam algumas restrições, como por exemplo não poder ocupar cargos de gestão, não ter voz ou voto nas assembleias ou qualquer outra sanção. O que determinava a sorte dos antigos proprietários eram as relações anteriores ao início do conflito, sendo que os patrões mais truculentos ou violentos foram os que sofreram as mais duras represálias5. Mas houve também um curioso caso. Foi o sucedido com a Federação de Patrões de Perucarias e Barbeiros de Barcelona e Povos Limítrofes, onde a iniciativa da coletivização partiu da patronal. Seu sindicato entrou em contato com o sindicato da CNT da categoria em 9 de agosto de 1936, para que se discutisse a coletivização. No dia 11 houve uma assembleia dos proprietários em que se decidiu que, quando a coletivização fosse efetivada, a associação patronal passaria a fazer parte do Sindicato Único de Barbeiros e seus Contornos, com os mesmos direitos e deveres dos demais. No dia 14 a indústria foi oficialmente coletivizada, e seus bens passaram para a coletividade.
Uma vez expropriadas as empresas, um comitê assumia a gestão da mesma. Tal comitê era eleito pela assembleia dos trabalhadores e poderia ser revogado a qualquer momento, novamente em assembleia geral. Mas em muitas empresas esse comitê gestor já existia antes da expropriação, se limitando à tomada de posse dos estabelecimentos. Essa prática foi levada a cabo principalmente pela CNT, pois ela mantinha um comitê sindical na empresa, às vezes secreto, cuja função era estudar seu funcionamento acessando livros-caixa, conseguindo informações sobre salários, matérias-primas, taxas de lucro e diversas outras informações que pudessem ser relevantes – além, é claro, de organizar e mobilizar os trabalhadores em seus conflitos com a empresa. Assim, em muitos locais de trabalho, o comitê que assumiu o controle do estabelecimento já tinha uma boa quantidade de informações sobre seu funcionamento, embora eles tenham tomado posse do local em condições completamente novas, já que se passava por um período de guerra e quebra da institucionalidade, o que resultou em perda de mercado interno, escassez de matérias-primas inflação e demais consequências. Em empresas onde a totalidade dos trabalhadores eram filiados à CNT – e não eram poucas – e havia um comitê sindical já formado, a expropriação se limitava à sua tomada de posse. Já nos estabelecimentos onde havia também trabalhadores da outra central sindical importante, a União Geral dos Trabalhadores, UGT, de tendência socialista, eram incorporados membros desta central sindical, e então se formava um comitê gestor composto por membros de ambos sindicatos. Houve casos também em que o comitê era formado apenas por membros da UGT, mas eram mais raros, pois dita central sindical era afeita aos socialistas e a posição oficial do partido socialista era pela nacionalização, e não pela coletivização6, mas isso não impediu que seus militantes de base participassem dos processos autogestionários. A UGT ainda, durante a Guerra Civil, foi caindo cada vez mais sob influência dos comunistas seguidores do regime moscovita, o que reforçava ainda mais sua posição em prol da nacionalização.
Dentro do movimento coletivista havia uma preocupação dos trabalhadores em se evitar o nascimento de uma camada dirigente que afastasse os trabalhadores do controle do local de trabalho e concentrasse muito poder nos comitês gestores, de modo que foram tomadas medidas para se evitar isso. Uma delas, que foi utilizada em várias empresas coletivizadas, foi o pagamento de soldos mais baixos para os que ocupassem cargos de gestão, buscando assim tornar menos atrativos esses cargos, evitando que possíveis pessoas interessadas apenas em ganhos mais elevados e comprometidas apenas com um projeto pessoal se alçassem aos cargos de gestão. No entanto, cabe ressaltar também que o movimento coletivista buscava uma uniformização dos ganhos, de modo que o leque salarial foi muito reduzido com a coletivização, chegando-se mesmo a uma completa igualdade de ganhos em alguns lugares, notadamente em coletividades formadas no campo. Em algumas destas se chegou mesmo a eliminar o sistema de assalariamento, uma das metas finais do movimento coletivizador.
Uma das indústrias coletivizadas e que fora bem-sucedida foi a indústria têxtil. Segundo Bernecker (1982)7, 4/5 de todas as indústrias deste ramo estavam na Catalunha, o que demonstra uma grande concentração geográfica. E a indústria têxtil era responsável por 56,6% da produção industrial catalã em 1927, o que dava mais de 3 bilhões de pesetas, evidenciando também a importância deste ramo na região mais industrializada da Espanha. No começo da Guerra Civil, no ramo têxtil, havia na Catalunha 230.000 operários, dos quais 170.000 eram filiados à CNT, o que dá por volta de 74% do total. Havia cerca de 20.000 empresários – 5.000 deles na Catalunha –, e 10% deles se tornaram empregados em suas ex-empresas, agora sob controle dos trabalhadores. Metade dos antigos donos fugiram e 40% foram “eliminados da esfera social”. Em 1937 praticamente todo o ramo estava coletivizado.
Em Alcoy, Alicante, na comunidade valenciana, a indústria têxtil conheceu um grande revigoramento depois da coletivização. Segundo o semanário anarquista Tierra y Libertad8, eram 129 indústrias do setor na cidade. O Sindicato assumiu o ramo em 14 de setembro de 1936. Foram criados comitês de fábricas em todas as empresas, que foram unificadas. Aqui se desenvolveu uma gestão compartilhada entre os comitês de fábrica e os sindicatos.
Um bom exemplo individual de indústria têxtil coletivizada foi a Empresa Espanha Industrial. Esta tinha 2.000 trabalhadores, dos quais 1.500 eram membros da CNT e 300 da UGT. O Comitê Central, responsável pela gestão da empresa, era composto por 19 pessoas e tinha a tarefa de gerir as várias unidades da empresa, espalhadas em cidades como Barcelona, Valência, Sabadell e Sants.
Um outro setor importante que fora coletivizado foi o do transporte. Um grande exemplo de coletivização neste ramo se deu na cidade de Barcelona. Aqui a CNT se apoderou dos transportes logo no início do conflito, ainda em julho de 1936. O Sindicato cenetista possuía a grande maioria dos sindicalizados do setor, 6.500 de um total de 7.000 trabalhadores ocupados nesta categoria. Em 24 de julho de 1936 foi nomeado um comitê de controle9, mas como os diretores fugiram, acabou se adotando a coletivização do ramo. Foi formado um comitê dos três tipos de transporte: metrô, ônibus e trem. Até 1938 não houve aumento nos preços, apesar de todos os problemas que existiam direta ou indiretamente por conta do conflito, como o confisco de materiais para fins de guerra, escasseamento dos combustíveis, aumento dos preços em geral, falta de peças de reposição, etc. Mas havia uma questão muito importante a se resolver. Era a questão dos lucros. A quem pertenceria os lucros? A cada ramo particular, a um caixa comum dos três ramos do transporte ou ao Sindicato?
En esta discusión estaba, en último término, también en juego el problema surgido asimismo en otros sectores económicos referente a la autonomía de decisión de las empresas colectivizadas. Con los acontecimientos del 19 de julio y la expropiación de las empresas capitalistas, el sindicato había perdido un ámbito esencial de sus funciones – su finalidad de lucha de clases y revolucionaria – y había asumido “funciones de propietario”. No estaba clara la cuestión de a quién correspondía en último término la capacidad decisoria respecto a las empresas colectivizadas, si a los organismos sindicales o a los comités de control elegidos por los trabajadores, es decir, estaba en al aire la relación entre los comités y el sindicato. En el contexto de este problema de competencias, la cuestión del destino del dinero residual se solventó finalmente en favor del sindicato, que en los primeros nueve meses de guerra empleó en total cuatro millones de pesetas de los excedentes reunidos para financiar líneas deficitarias y pagó en el primer año de guerra un millón y medio de pesetas de impuestos a la Generalidad.10
Segundo Bernecker (1982)11, os lucros do ramo do transporte diminuíram 33,6% nos cinco primeiros meses de coletivização, e os gastos com salários aumentaram 46% e com materiais subiu 57%. Um dado interessante é que os gastos com questões jurídicas decaíram em 50%. Isso se deu por dois motivos principais. O primeiro é que, certamente, devido ao início do conflito e o contexto revolucionário que se vivia, com a quebra das instituições do sistema republicano e sua substituição por um poder difuso exercido pelos comitês de bairro12, se tornou bastante difícil entrar com processos contra a empresa, já que o sistema jurídico praticamente colapsou. Mas tão importante quanto isso, a introdução do sistema de eleição e possível revogação do comitê gestor fazia com que os responsáveis pela gestão das empresas tivessem que levar em conta a opinião dos trabalhadores antes de tomar qualquer decisão, sob pena de serem destituídos pela assembleia. E isso, no caso do ramo do transporte, fica evidente quando se sabe que o comitê gestor deste ramo foi eleito novamente por três vezes até a legalização da coletivização13.
Em uma entrevista para o semanário Tierra y Libertad, Pérez Combina falou sobre o transporte coletivizado e seus desafios.
Fuimos los primeros en normalizar los servicios, como que fuimos los primeros en socializarlos. Después de las violentísimas luchas habidas en Barcelona a raíz de la sublevación militar y vencida ésta, los trabajadores del transporte reunidos en asamblea resolvieron reintegrarse cuanto antes al trabajo, comenzando por la reparación de las líneas de tranvías y material rodante de éstos y autobuses, muy afectados por las batallas callejeras. Baste decir que al tercero día de la sublevación circulaban ya los autobuses. Esto demuestra la capacidad organizativa de los Sindicatos y la conciencia de la responsabilidad que el nuevo estado de cosas hacía gravitar sobre los trabajadores.
No quedaba en verdad otro remedio, si es que se quería atender seria y eficazmente las necesidades de la población y los imperativos de la guerra contra los facciosos que continuaba cruda y encarnizada en otras regiones de España.14
Continuando sua fala, Combina acrescentou que a prefeitura teve um incremento de caixa de 700.000 para 1.500.000 pesetas, além de novas linhas terem sido criadas. Disse também que as jornadas de trabalho variavam de 48 a 52 horas semanais, por conta da guerra, e que foram introduzidas várias melhorias na empresa, modificações essas que eram feitas diretamente pelos trabalhadores.
Cada obrero lleva su iniciativa al delegado de su sección el cual lo somete a consideración de la asamblea del Sindicato, de todas las secciones. El obrero no es, pues, una pieza más, material muerto, sometido a las orientaciones o iniciativas de un director; cada uno de ellos es una inteligencia activa y una voluntad solidaria que contribuye con la más amplia libertad a la obra de todos.15
Combina ainda disse que houve uma série de melhorias implementadas na fábrica, como refeitórios, banheiros, serviço 24 de horas de enfermaria e um serviço de farmácias. Entretanto, ainda segundo Combina, não foi só em Barcelona que o transporte foi coletivizado. Em Manresa, cidade importante da Catalunha, ele também o foi. Tal coletivização foi formada integralmente pela CNT, e a empresa foi coletivizada com uma dívida de 117.455,60 pesetas, dos quais foram pagas 28.596,75 pesetas até 31 de dezembro de 1936. Na coletividade de Manresa havia 41 trabalhadores. No tocante às assembleias:
Para nuestro mejor control y estímulo, celebramos una reunión mensual, donde se da a conocer la buena marcha de la colectividad, y donde se sanciona al que haya podido incurrir en alguna falta (cosa que no es frecuente), y de estas reuniones surgen iniciativas beneficiosas para la buena marcha de la obra socializante emprendida.16
Outro ramo bastante importante que foi coletivizado, especialmente no contexto de guerra civil que se vivia, foi o da indústria bélica. Este setor era praticamente inexistente na Catalunha quando do início da Guerra Civil. Isso porque o governo espanhol temia deixar fábricas bélicas no centro do principal movimento revolucionário do país, preferindo deixar as fábricas em outras localidades da Espanha17. Mas, uma vez iniciado o conflito, devido à necessidade de fabricação de material de guerra, uma série de indústrias civis foram convertidas para a produção bélica, nascendo assim uma indústria de armas sob controle dos trabalhadores. Vários ramos foram convertidos, como a indústria metalúrgica, que passou a fabricar chapas de metal para a blindagem de carros de combate18.
A indústria bélica que surgiu na Catalunha se desenvolveu sob controle dos trabalhadores. Segundo o Tierra y Libertad19, na primeira semana de agosto de 1936, dias após o fim dos combates, já havia 8 fábricas convertidas em indústria bélica, e em 7 de agosto de 1936 foi criada a Comissão de Indústrias de Guerra, via decreto da Generalitat, para coordenar os esforços deste ramo tão estratégico neste momento. Em 15 de setembro de 1936 já eram 24 fábricas convertidas à produção bélica. Na data da reportagem do jornal, em 7 de agosto de 1937, já havia 290 fábricas e 150.000 trabalhadores empregados no setor.
No setor bélico se trabalhava mais do que em outros ramos, 56 horas semanais, e existia uma tensão permanente entre o comitê de fábrica e a Generalitat, via Comissão de Indústrias de Guerra. Mas ambos buscavam evitar os conflitos para que eles não impactassem na produção. Assim, o comitê gestor das empresas civis catalãs convertidas em indústrias de guerra tinham uma grande margem de manobra. No entanto, isso mudou em 11 de agosto de 1938, quando a situação do conflito era muito ruim para a República e o Governo militarizou as indústrias de armas. Isso significou que elas foram transferidas ao controle do Governo, que passou a indicar gestores para as fábricas, e estes não tinham legitimidade perante os trabalhadores, ainda mais porque foi implantada uma disciplina de quartel dentro do local de trabalho. Assim, a quantidade de conflitos entre o comitê e os trabalhadores dispararam, fazendo com que se diminuíssem as horas trabalhadas, aumentassem as faltas ao trabalho, etc., e tudo isso teve um impacto na produção. Alguns dos representantes do governo se comportavam de forma completamente autoritária, de modo que uma carta do Sindicato da Indústria Siderometalúrgica de Onil, Alicante, datada de 5 de setembro de 1938, disse: “(...) se está implantando un régimen de disciplina terrorífera y contraria a todo principio, que ni en tiempo de la fatídica dictadura fue puesta en práctica por los patronos más déspotas”20. A carta ainda dizia que eram descontados 50% dos salários por conta de um atraso de dez minutos e, dependendo da gravidade do ocorrido, poderia se descontar quinze dias ou mesmo o mês todo.
La incautación de la industria de guerra por el gobierno central tuvo como consecuencia no sólo la multiplicación del aparato burocrático, sino también una clara disminución en la disposición a entregarse por parte de los trabajadores, que ya no se identificaban con “su” producción. De golpe dejaron de hacerse muchas horas extras, las jornadas perdidas (por enfermedad, accidente, etc.) aumentaron el doble, menudearon las discusiones entre los trabajadores y los representantes del estado y se impuso un nuevo y más duro sistema de disciplina para prevenir el creciente descontento entre los trabajadores.21
Ainda sobre a indústria bélica, uma carta22 de Companys, Presidente da Generalitat, enviada a Prieto, que era Ministro da Defesa do Governo Central, datada de 13 de dezembro de 1937, dizia que a Catalunha havia fabricado 60 milhões de cápsulas, 76 milhões de balas Mauser, 718.000 projéteis de canhões, 566.442 espoletas, além de outros produtos bélicos, que eram essenciais para a luta contra os insurretos.
Os processos de autogestão que ocorreram durante o conflito espanhol foram alvo de muitos ataques mesmo dentro do campo que comumente se nomeia de republicano, inclusive por forças que se viam e se apresentavam como revolucionárias, chegando a sofrer até mesmo ataques de tropas armadas contra centros de produção que estavam sob controle dos trabalhadores. Isso, aliado às dificuldades econômicas em um contexto de embargo externo aos produtos espanhóis e a um conflito militar extremamente custoso tanto em termos de vidas humanas quanto de recursos, causou o declínio da autogestão. No entanto, esta resistiu até a derrota final do campo republicano, quando as tropas franquistas acabaram por eliminar o que restava dela.
1 Gaetano Manfrédonia at al, Espanha Libertária: A Revolução Social Contra o Fascismo, São Paulo, Imaginário, 2002, p. 27.
2 Um pronunciamento é um levante militar de curta duração e com pouco derramamento de sangue. É efetuado por um general e tem o objetivo de depor o governo imediatamente. Este tipo de golpe foi muito característico no século XIX, mas também houve pronunciamientos no século XX.
3 A história da CNT, da fundação em 1910 até a Guerra Civil Espanhola, foi bastante conturbada, passando por períodos de clandestinidade, perseguições e mesmo tentativa de eliminação física de seus principais dirigentes, como no período do pistoleirismo, nos anos 1920, quando jagunços contratados pela patronal e militantes cenetistas se digladiavam pelas ruas, resultando em mortes de ambos os lados.
4 O Fomento do Trabalho Nacional, organização catalã e a patronal mais antiga da Europa, participou ativamente na preparação do golpe militar, o que demonstra uma estreita vinculação entre os setores proprietários e os militares insurretos.
5 É preciso lembrar que na Espanha, durante a década de 1920 e mesmo durante a década de 1930, as relações entre patrões e empregados eram bastante violentas, devido principalmente ao tratamento recebido pelos trabalhadores. Para exemplificar, não era incomum na Espanha, notadamente nas zonas rurais, que se contratasse trabalhadores de modo similar à compra de escravos durante o período escravagista, se formando fileiras de potenciais contratados enquanto um encarregado verificava os dentes, os músculos e demais características físicas que lhes interessava para o trabalho.
6 Coletivização era o termo que se usava na época para designar as empresas que estavam sob gestão e controle dos trabalhadores. A palavra autogestão é posterior, embora seja muito mais difundida.
7 Walther L. Bernecker, Colectividades y Revolución Social: el Anarquismo en la Guerra Civil Española, 1936-1939, Barcelona, Crítica, 1982.
8 Tierra y Libertad, La Industria Textil y Fabril en Alcoy, Barcelona, 24 jul. 1937, p. 6.
9 Um comitê de controle poderia ser formado quando não se podia ou não se queria coletivizar a empresa. Ele supervisionava as atividades da empresa, controlava os livros-caixa, a taxa de lucro, levava as reivindicações dos trabalhadores, etc., mas ela permanecia como uma propriedade privada, embora seu raio de ação fosse restringido. Não havia uma uniformização das atribuições dos comitês de controle, podendo ir de uma simples colaboração até um controle bastante grande. Suas atribuições dependiam muito da região do país em que se estava, do ramo industrial, da força dos trabalhadores perante a empresa, etc. Em alguns casos a instauração do controle era o primeiro passo para que este assumisse o controle total, convertendo o comitê de controle em comitê de empresa, dando início ao processo de autogestão.
10 Walther L. Bernecker, Colectividades y Revolución Social: el Anarquismo en la Guerra Civil Española, 1936-1939, Barcelona, Crítica, 1982, p. 360-361.
11 Walther L. Bernecker, Colectividades y Revolución Social: el Anarquismo en la Guerra Civil Española, 1936-1939, Barcelona, Crítica, 1982.
12 Quando o golpe militar falhou e o poder republicano se esfacelou, quem assumiu a gestão da vida social em diversas localidades – incluindo Barcelona – foram os comitês de bairro, cidade ou povoado. Estes passaram a gerir seu perímetro e tinham atribuições variadas dependendo do local em que se encontravam. Guillamón (2011) assim descreve a situação: “El auténtico poder de ejecución y resolución estaba en la calle, era el poder de del proletariado en armas, y lo ejercían los comités locales, de defensa y de control obrero, expropiando espontáneamente fábricas, talleres, edificios y propiedades; organizando, armando y transportando al frente los grupos de milicianos voluntarios que previamente habían reclutado; quemando iglesias o convirtiéndolas en escuelas o almacenes; formando patrullas para extender la guerra social; guardando las barricadas, ahora fronteras de clase, que controlaban el paso y manifestaban el poder de los comités; poniendo en marcha las fábricas, sin amos ni directivos, o reconvirtiéndolas para la producción bélica; requisando coches y camiones, o alimentos para el comité de abastos; “paseando” burgueses, fascistas y curas; sustituyendo a los caducos ayuntamientos republicanos, imponiendo en cada localidad su absoluta autoridad en todos los dominios, sin atender órdenes de la Generalidad, ni del Comité Central de Milicias Antifascistas (CCMA). La situación revolucionaria se caracterizaba por una atomización del poder.” (Agustín Guillamón, Los Comités de Defensa de la CNT en Barcelona (1933-1938), Barcelona, Aldarull, 2011, p. 100-101).
13 Em outubro de 1936 o governo catalão, conhecido como Generalitat – ou Generalidad, em espanhol -, promulgou o chamado Decreto de Coletivizações, que legalizava as coletivizações na Catalunha. Tal Decreto teve um duplo aspecto. Em primeiro lugar, ao reconhecer as coletivizações, as protegeu de ataques que poderiam ser feitos por seus detratores, mas por outro lado, ao trazê-las para o campo da lei, lhes submeteu aos desígnios da Generalitat, uma vez que se não se submetessem às diretrizes desta, poderia ser declarada ilegal e ser desfeita. Além disso, o Decreto introduziu um representante da Generalitat no seio do comitê de empresa, o que pode ser visto como um golpe na autonomia das empresas coletivizadas.
14 Tierra y Libertad, El Transporte Socializado por los Obreros de la C.N.T., Barcelona, 19 jun. 1937, p. 6.
15 Tierra y Libertad, El Transporte Socializado por los Obreros de la C.N.T., Barcelona, 19 jun. 1937, p. 6.
16 Tierra y Libertad, La Guerra y la Socialización: El Transporte en Manresa, Barcelona, 27 fev. 1937, p. 5.
17 Um exemplo trágico desse medo que o governo tinha em relação à fábricas de armas na Catalunha, mesmo no período da Guerra Civil, se deu na cidade de Toledo, em Castela-Mancha. Aqui havia uma das fábricas mais importantes de cartuchos do país, e com a proximidade das tropas franquistas os catalães solicitaram que a fábrica fosse enviada para a Catalunha. Mas o Governo Central se negou, e em 27 de setembro de 1937 a cidade foi ocupada pelos nacionalistas, caindo a fábrica em suas mãos. Isso demonstra o quanto o Governo Central estava disposto a arriscar para prejudicar o movimento revolucionário, devido ao medo de uma revolução proletária armada.
18 Um curioso exemplo de transformação de indústria civil para o ramo bélico se deu na fabricação de batom. Assim que se descobriu que o furo que se fazia na cápsula de batom, que na época era feito em metal, poderia ser usado para a fabricação de balas, se operou uma transformação dessa indústria civil em indústria bélica.
19 Tierra y Libertad, Las Industrias de Guerra al Servicio de la Libertad, Barcelona, 7 ago. 1937, p. 6.
20 In: José Peirats, La CNT en la Revolución Española, v.3, Madrid, Ruedo Ibérico, 1988, p. 150.
21 Walther L. Bernecker, Colectividades y Revolución Social: el Anarquismo en la Guerra Civil Española, 1936-1939, Barcelona, Crítica, 1982, p. 372.
22 In: José Peirats, La CNT en la Revolución Española, v.2, Madrid, Ruedo Ibérico, 1988, p. 100-107.