Do Greenback ao pós Bretton Woods: a trajetória do dólar de moeda fiduciária anti-sistêmica (1862-1879), até tornar-se uma moeda “fiduciária” Imperialista (pós-1973)

 

Cristiano Abreu (PPGHE/USP)

 

Introdução

O presente trabalho se baseia nos meus estudos de doutorado sobre História do Pensamento Econômico e História monetária dos Estados Unidos e do Brasil em comparação desde o século XIX até a Primeira Grande Guerra. Aqui se apresenta um trabalho sobre a história monetária dos Estados Unidos. Trata-se aqui da história do dólar, moeda icônica do capitalismo norte-americano, para discorrer sobre o tipo de desenvolvimento que tal moeda imprimiu aos Estados Unidos: primeiramente uma expansão interna, isolando a economia norte-americana, depois lançando sobre o mundo suas empresas, num planeta amarrado ao dólar para suas transações internacionais. Pois, apesar de muitos se esquecerem, os Estados Unidos não nasceram ricos, mas se tornaram ricos. Numa história de desenvolvimento que hoje os manuais e bibliografias estranhamente “chutam a escada” explicativa deste processo histórico de desenvolvimento vivido por aquele país. Tal processo é “naturalizado” numa dogmática anti-intelectual, não apenas na mídia monopólica corporativa, mas em vários cursos acadêmicos também. Buscamos aqui recuperar a história do dólar, para através dela explicarmos e recuperarmos algo do desenvolvimento vivido pelos Estados Unidos e pelo Sistema Mundo estruturado no Ciclo Sistêmico de Acumulação norte-americano (1939-...???)1, bem como colocarmos luz no processo histórico no qual os Estados Unidos deram seu salto desenvolvimentista no ciclo anterior, o britânico (1815-1939).

Dollar: o nome vem de uma moeda checa de prata. No século XVIII uma grande quantidade de moeda espanhola de prata, conhecida como spanish dollar entrava no que será os EUA, sendo muito usadas nas 13 colonias, dando origem ao nome da moeda norte-americana. Não apenas na culinária, na cultura do cowboy e na metade do território original do México, os Estados Unidos beberam em fontes ibéricas: o nome da principal moeda dos Estados Unidos também veio de raízes hispânicas.

Nos cursos gerais de História, o foco analítico de nossa tradição historiográfica é francófilo, eurocêntrico. Em História Moderna isso faz muito sentido. Mas é exatamente no período abarcado pelo o que a tradição francesa chamou de História Contemporânea, quando os EUA surgem desequilibrando o Status Quo do sistema mundial, que o estudo deste país se faz inescapável. E o século XIX é justamente o período em que tal país deixou de ser uma iniciante República inexpressiva economicamente ao fim do século XVIII, apesar de já despontar como uma experiência política e social a despertar interesse e admiração em todo o Ocidente, para se tornar uma potencia econômica global, sendo a potencia industrial ascendente (junto com a Alemanha) na virada para o século XX. Alemanha e Estados Unidos, na aurora do século XX, despontavam como as duas principais potencias industriais do mundo. Mesmo que muitos reconhecessem que o padrão técnico industrial alemão era superior então, os Estados Unidos, já em 1913, produzia “cerca de um terço do produto industrial mundial, mais que o dobro da Alemanha. A maior parte das suas indústrias estratégicas (ferrovias, embalagem de carne, atividades bancárias, nas grandes cidades, aço, cobre e alumínio), bem como importantes áreas de produção fabril estavam dominadas por um número relativamente pequeno de corporações imensamente poderosas.”2 Logo, se até a primeira Guerra, estava em disputa qual potencia industrial ascedente, dentro do esquema braudeliano\arrighiano de ciclos sistêmicos do capitalsimo histórico, iria superar a potencia “outonal” (Grã-Bretanha), os Estados Unidos com seu volume produtivo, além de seu espaço geográfico enorme e isolado, já despontavam como a aposta com maior chance de sucesso. Sendo sua já apontada concentração industrial também fruto da história do dólar: a expansão produtiva na Guerra Civil com a moeda fiduciária greenback(1862-1879) num primeiro momento inflacionista, seguido da concentração financeira via padrão-ouro a partir de 1879, gerou essa expansão e posterior concentração.

Porém tal história de sucesso foi construída e assentada no século XIX. O século XIX norte-americano é, seguramente, o tempo do palco histórico desse salto desenvolvimentista inegável. Tal palavra é do século XX, período no qual o que virá a ser o 3° Mundo se lançou na busca do desenvolvimento, sob o terror da força das nações centrais detentoras das tecnologias da segunda Revolução Industrial. Com todas as distinções políticas dos grupos em disputa no século XX, algo é inegável entre todos os interessados na busca do desenvolvimento (podendo ser tais grupos: nacionalistas, independentistas, socialistas, comunistas, social-democratas, fascistas...): a experiência dos EUA é incontornável para se pensar e planejar os “desenvolvimentos”. O interesse de Lenin pela experiência fordista é um bom exemplo, ou o de Hitler pela conquista do oeste feita pelos Estados Unidos.

Vários focos podem ser retomados nesta História do desenvolvimento dos Estados Unidos: culturais weberianos, com ênfase na formação histórica protestante; focos raciais que foram muito repetidos até a Segunda Guerra (inclusive por políticos da América Latina, como o ministro brasileiro Joaquim Murtinho, que chegou a defender por escrito em Relatório Ministerial que as diferenças raciais não iriam permitir ao Brasil alcançar os EUA3). Um enfoque interessante, que chamou muita atenção ao logo ao longo do século XIX, foi o demográfico: destacando a capacidade de duplicação demográfica do país a cada 25 anos por um longo período.4

O foco aqui dado será o econômico. Localizando nas ideias e teorias de defesa da produção interna e da “segurança nacional” (militar, alimentar e econômica) defendidas pelos autores do American System. Usando como eixo de análise a moeda lançada pelo governo Lincoln para sustentar a defesa da União na Guerra Civil: a moeda totalmente fiduciária conhecida como greenback. Acompanhando tal experiência monetária dos Estados Unidos desde o começo da Guerra Civil (1861-1865) até o fim do padrão-ouro do dólar, com o fim do padrão metálico de Bretton Woods (1973). Baseada inicialmente nas propostas dos referidos autores do American System, de intenso protecionismo, esta moeda nasce como um meio de isolar e proteger a economia norte-americana, sendo totalmente fiduciária, seu valor é apenas interno via determinação legal (Legal Tender), o que protege a produção daquele país, que se expande fortemente então. Rastreando esta moeda, desde este momento, até ela se tornar a moeda de referência internacional, primeiramente no padrão-ouro (1944), depois voltando a ser totalmente fiduciária(1971-1973), mas como “moeda universal”, uma vez que aceita e tida como moeda de referência do comércio internacional. Veremos o impacto e alcance desta experiência monetária na base e estruturação do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano, colocando os Estados Unidos como a potencia central do século XX.

Histórico


 

O dólar, como o conhecemos, surgirá apenas na Guerra Civil (1861-1865), contudo, o ambiemte intelectual que o gerou e que é a base deste estudo, no qual surgiu a corrente intelectual conhecida como American System, perpassa os Estados Unidos desde a Guerra de Independência. E nos indica, entre outras coisas, a hipótese de que a guerra como base para o arranque econômico sempre esteve presente no arcabouço intelectual e politico norte-americano. Nação que surgiu de uma guerra contra ambições de um Monopólio colonial da Coroa Britânica (guerra que gerou uma dívida inquietante e uma inflação fiduciária considerável nos Estados Unidos recém-independente), teve no governo Federal da jovem nação, nascida de uma reação anti-mercantilista, o artífice de uma política comercial neo-mercantilista desde que surgiu. E sustentamos aqui que o dólar surgirá como uma evolução monetária deste combate produtivo, militar e político dos Estados Unidos pelo seu desenvolvimento.

Ainda assim a jovem República manteve muitos e fortes laços econômicos com a antiga metrópole. Antes e depois do Tratado de Gand (1814: que marcou o fim da segunda guerra de Independência dos Estados Unidos, guerra esta que consolidou a criação da Marinha dos estados Unidos). Após essa segunda guerra com a Inglaterra, por mais que os Estados Unidos tivessem então ainda uma economia profundamente marcada pelo o que Braudel chamou de “Vida Material”5, com uma economia interna de abastecimento fortemente autônoma como o eixo da nação, o governo federal sempre cuidou dos interesses das então pequenas camadas sociais ligadas aos mercados e aos oligopólios. A economia do norte seguia exportando trigo em crescentes quantidades (até 1815 este produto era o principal da pauta de exportação e, ainda nos anos 1820 seguia disputando a dianteira na pauta de exportação, quando foi finalmente superado pelo algodão), enquanto a economia colonial do sul seguia tendo saída crescente para seus produtos tropicais no principal mercado europeu de então, a Inglaterra, amarrando uma parte da economia em crescimento do sul com a antiga metrópole e o Mercado Mundial que ela liderava.

Recentemente independentes, saídos de guerras com a antiga pátria mãe colonizadora, os EUA tinham medo de dependência em produções estratégicas. Mas ao mesmo tempo sofriam a atração econômica e cultural da antiga Metrópole, sob pressão contraditória dos srs das plantations do sul(mas não só) para acessar e escoar suas produções no mercado britânico. Nessa situação contraditória o protecionismo dos Estados Unidos surgiu desde cedo e pode ser confundido com o patriotismo norteamericano: protecionismo e patriotismo andam juntos na história dos Estados Unidos, num processo de desenvolvimento em que a proximidade geográfica/histórica/humana que os Estados Unidos tinham com a “locomotiva” central do capitalismo histórico de então (Inglaterra) foi um fator de atração e temor quando se tratava de lidar com a antiga Metrópole e os possíveis processos econômicos. O protecionismo alfandegário e nacionalismo econômico foram, desde o começo, as trilhas seguidas pelos Estados Unidos quando se tratava de lidar com a Inglaterra. Tratando de proteger a produção vital para poderem fazer guerra: as indústrias de base e bélica. Concentrando no nordeste dos Estados Unidos o núcleo duro da futura potencia industrial que o país se tornará. A concentração nessa região nordeste yankee da força industrial, comercial e bancária da jovem nação, pressionando por e criando políticas industriais protecionistas fez dessa região o berço histórico do American System com seu nacionalismo/protecionismo yankee. Tal nordeste centralizou no século XIX as indústrias e os circuitos comerciais e bancários do país. Tendo os Estados Unidos, ao fim das guerras napoleônicas na Europa, alcançado uma esquadra naval, comercial e pesqueira significativa e em expansão, já ficando tal esquadra mercante apenas atrás da britânica6. Sendo a capital comercial e portuária desta frota a cidade que escoava a produção de trigo do norte pelo estuário do rio Hudson e que, no futuro, não por acaso, será o maior centro bancário do país: Nova York. Tal região será o centro irradiador das ideias e políticas identificadas com o Sistema Americano: o American System.

O sul entrava com sua produção de rum, melaço, tabaco e, sobretudo, algodão. Produção esta, a do algodão, que viverá um auge com o avanço da primeira revolução industrial inglesa. Mas a concentração naval/comercial nas cidades do nordeste dos Estados Unidos tem uma base produtiva real: Nova York sendo a desembocadura do rio Hudson era o escoadouro dessa outra produção estratégica para o jovem país: o trigo. Com preços elevados por contas das guerras, tal produto terá uma importância ímpar na balança comercial e de pagamentos dos Estados Unidos, maior que o do algodão até o fim das guerras na Europa. Complementando o mercado britânico, bloqueado pelos franceses e abastecendo de trigo todas as plantations do Caribe (incluindo Cuba e todas as possessões espanholas, francesas e holandesas). A exportação do trigo nortista durante as guerras na Europa foi vital para o arranque do norte dos Estados Unidos, com a concentração comercial, naval e, futuramente, bancária nesta parte do país.

Na criação do primeiro Navegation Act norte-americano a exportação de algodão era concentrada em navios americanos, logo, de Nova York. Esta cidade então concentrará a exportação do algodão para Liverpool. (Sendo sua economia muito ligada a do sul, o que causou problemas para a União durante a Guerra Civil, como nos Draft Riots, quando Nova York foi o epicentro das revoltas contra o alistamento militar). Como ponto de concentração da exportação de algosao, Nova York retinha o excedente, que não ia para Liverpool, para abastecer a nascente indústria têxtil local. Ao fim das guerras da Revolução Francesa na Europa ocorre a queda dos preços do trigo, com a paz e a abertura dos mercados europeus aos ingleses. O preço do trigo cai, com a Inglaterra conseguindo se abastecer em mercados europeus. Tal deflação, liderada pela queda deste produto central, mas acompanhada de uma deflação geral (menos do algodão, que segue em expansão), é o pano de fundo da organização intelectual do American System: em larga medida nossa escola intelectual é uma somatória de forças para recuperar a situação econômica dos Estados Unidos vivida durante os anos das guerras revolucionárias na Europa, de inflação dos preços, mas que após as guerras, com a abertura da Europa para o comércio com a Inglaterra há uma derrubada dos preços. E o algodão segue em expansão como commoditie de base da primeira Revoluçaõ Industrial inglesa. A economia norte-americana viverá uma explosão do algodão e ações politicas que defendam a área nortista do trigo passam a crescer: este é o pano de fundo aonde surgiu o American System.

American System


 

O grande “pai” precursor desse nacionalismo econômico, surgido de forma muito prática, foi Alexander Hamilton. O “Burke americano”, como Jeferson o chamava. Ou o “novo Colbert”, como o chamava Henry Carey. Hamilton sempre defendeu uma política “continentalista”: em seus Federal Papers (https://en.wikipedia.org/wiki/The_Federalist_Papers ), assim como no Relatório sobre Manufaturas, ainda em 1791, enquanto mal estava começando as guerras revolucionárias na Europa que tão bem fizeram a economia dos Estados Unidos, já defendia ali a organização de “um grande sistema americano que escapasse ao controle e a influência de toda força transatlântica”. O primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, para tanto, preconizava dois caminhos: o estímulo ao desenvolvimento de atividades industriais e agrícolas e a tarifa aduaneira. Já em 1789, a pedido do próprio Hamilton, o Congresso aprovou uma tarifa federal. Tal medida foi feita, primeiramente, pelas necessidades de receitas do governo federal. Mas Hamilton já defendia os impactos positivos que ela traria à produção interna, para além de bancar o Estado federal. E ambos os benefícios iriam se somando. Historicamente é comum a necessidade de receitas dos Estados gerarem impostos sobre importações que incidem sobre os mais ricos e suas importações, beneficiando largamente os produtores internos e a ampliação da produção nacional: como a Tarifa Alves Branco (1844) no Brasil é um caso exemplar.

Tal trilha protecionista aberta por Hamilton será seguida fielmente por esta verdadeira escola de pensamento econômico norte-americana: todos os pensadores identificados com o American System defenderão um intenso protecionismo econômico, com estímulos diversos a economia, com ativa participação estatal. Divergindo em alguns pontos por vezes, mas todos estarão dentro de um quadro geral que podemos, seguramente, chamar de precursores do desenvolvimentismo. Estando, claramente e conscientemente, todos, dentro de uma tradição heterodoxa anglo-saxônica precursora do keynesianismo.

Cronologia Tarifária


 

No começo do século XIX, o governo federal dos EUA, ainda relativamente frágil numa União em que os estados federados serão fortes, conseguia se fortalecer num contexto de disputa sobre qual República seriam. Entre o fim da Guerra de Independência até a consolidação do modelo republicano que o país seguiria houve uma intensa disputa sobre qual caminho seguiria o país. E esse “modelo republicano” seguiu em disputa por gerações, pelo menos, até a Guerra Civil (1861-1865), com momentos de maior confronto e outros de maior acomodação numa sucessão de “compromissos” e acordos entre as partes do país.

Um ponto de central da disputa sobre qual República emergiria dessa experiência, estava a questão tarifária. De forma sumária aqui elencamos uma cronologia das leis tarifárias dos EUA: logo ao fim da segunda Guerra de Independência na lei tarifária de 1816, enquanto a Europa pós-napoleônica se rendia ao liberalismo britânico, quase todos os bens manufaturados nos EUA ficaram sujeitos a uma tarifa por volta de 35 por cento. Alta para os padrões de então. Sobretudo se comparada com as nações europeias, que praticavam taxas bem menores (por volta de 15 por cento) estando muito próximas umas das outras: os EUA praticavam tal tarifa destoante, além de terem o Atlântico como barreira natural. Logo, estes 35 por cento, na prática, por uma questão geográfica e tecnológica, era uma defesa muito mais impactante e eficaz para os fins protecionistas em busca7.

Em 1820 tal média tarifária para bens industriais já estava em 40 por cento8. Inicialmente, tais medidas ainda eram apoiadas de norte a sul, estando o sul buscando beneficiar um futuro parque industrial via tais políticas. Com o tempo foi ficando claro que as legislações nacionais protecionistas beneficiavam desigualmente a fachada atlântica norte-americana: concentrando os resultados benéficos da produção industrial nos estados do norte livres da escravidão (free states), com cada vez maior concentração populacional de trabalhadores e imigrantes livres, com uma mão de obra mais qualificada e melhor cabedal técnico e humano. Ao ponto de que em 1860, último ano antes da secessão, havia no norte (menor territorialmente, logo, mais densamente ocupado) por volta de 20 milhões de homens livres, enquanto que no sul escravista menos de 10 milhões de homens livres, além da população de trabalhadores escravizados por volta de 3,5 milhões9.

Nos anos 1820 começou a emergir o conflito de interesses entre norte e sul com relação às políticas tarifárias: em 1820, 1821 e 1823, os interesses agrários sulinos conseguiram derrubar tarifas “altistas”. Contudo, em 1824, o norte conseguiu passar uma tarifa ainda mais alta10. Para em 1828 passar a conhecida como Tariff of Abominations: que rachou o país e por conta da qual o sul falou, pela primeira vez, em separação11. Com o sul vendo suas matérias primas(sobretudo algodão) sustentarem a balança de pagamentos do país (secundada pelo trigo, milho e aveia), enquanto que suas lucratividades escorriam para o norte, que lhes obrigava consumir seus produtos industriais caros e de baixa qualidade. Bens manufaturados, de baixo valor agregado, subsidiados em certa medida por produtores primários (como ocorre em muitos processos de industrialização tardia).

Após muito debate, em 1832 recuou-se as taxas para 40 por cento (o que já era alto) em média para os produtos industriais. Tal “Compromisso” mal pode ser assim designado, uma vez que tal redução tarifária ficou muito aquém das expectativas sulistas. Com um protecionismo mais intenso para ferro e têxteis (com 40 a 45 por cento de proteção para produtos de ferro e 50 por cento para roupas). Diante de tal imposição nortista ocorreram reações conhecidas como Nullification Crisis, com a recusa da Carolina do Sul em acatar a lei. Mostrando a dificuldade de construção de “Compromissos” na Primeira República Norte-Americana.

Diante dessa crise, foi acordado um compromisso com uma nova lei que previa a redução paulatina das Tariffs para 25 por cento para bens industriais e 20 para os demais nos dez anos seguintes (fato histórico que evidencia a força política e intelectual da defesa das indústrias nascentes naquele ambiente legislativo). Mas em 1842, quando tal lei expirou, aprovou-se outra que trouxe novamente as taxas para os níveis de 183212.

Tal movimento de retomada “altista” a partir de 1842 só alcançou um equilíbrio na tensa Federação em 1846, com taxas alfandegárias um pouco menos protecionistas. Esse período que cobre toda a década de 1850, que antecede a Guerra Civil, marca um recuo estratégico da agenda protecionista nortista, durante a conquista de metade do território mexicano, que pela aquisição do Texas (que se separou do México por tal país ter abolido a escravidão e os ocupantes anglófonos escravistas deste estado se revoltaram em nome do direito de ter escravos, apoiados por Washington) fortaleceu muito o sul. E diante das sucessivas crises deslanchadas contra as tarifas desproporcionalmente altas (em comparação com qualquer país do mundo então: sobretudo nas décadas mais liberais em matéria de tarifas e impostos que foram os anos 1850 e 1860 na Europa) praticadas pela elite nortista dos Estados Unidos. Tal agenda, seguida caninamente pelos nortistas, é a agenda que Alexander Hamilton é precursor: é a agenda do American System sob estudo neste trabalho. Teorizada e propagada pelos intelectuais orgânicos do American System e praticada com diligência pelos políticos nortistas.

A década de 1850 marca “um passo atrás para dar quatro a frente” nessa agenda protecionista producerist, da elite nortista. E mesmo assim, tal recuo tarifário só era significativo em comparação com o histórico desproporcionalmente “altista” daquele país: em comparação com qualquer outro país, as tarifas da década de 1850 continuam sendo expressivamente altas.

Neste momento houve uma estabilização tarifária nas 51 categorias mais importantes de produtos importados em 27 por cento. Com destaque para a pressão das companhias ferroviárias por peças de ferro isentas de taxas durante uma expansão das linhas então. O que destaca um movimento mais liberalizante naquele momento, a mostrar contradições e disputas intra-burguesas. Contudo, tal pressão liberalizante é ponto fora da curva na história econômica dos EUA. E ocorreu num momento muito específico: a década de 1850 foi o auge da prática liberalizante do Imperialismo de Livre Comércio dos britânicos, sendo as décadas de 1850 e 1860 o maior período “baixista” de tarifas do centro do capitalismo europeu (que deixou tão forte a narrativa de que o Capitalismo seria um regime “concorrencial”, visão negada por Braudel, mas que deixou marcado este período, na historiografia marxista, como o período do “Capitalismo concorrencial”, em oposição ao “Capitalismo Monopolista” que virá em seguida no Imperialismo). Isso externamente. Pois internamente nos EUA foi a ante-sala da Guerra Civil, com o norte cedendo em sua agenda tarifária específica para impedir uma ruptura nacional. Que por fim não conseguiu evitar: a Secessão ao fim ocorre e não apenas pela questão do trabalho escravo. Muitos autores defendem que a questão tarifária foi tão importante quanto a escravidão na decisão de rompimento sulista, assim como na mobilização maciça dos nortistas13: que não conseguiriam mobilizar corações e mentes de grande parte de sua população branca pela liberdade dos escravos, mas pela defesa do nacionalismo, integridade territorial e defesa da agenda protecionista Sim ( de novo protecionismo e nacionalismo se confundem na história dos EUA). Nessa trajetória a moeda cumprirá um papel central nesta trama.

Essa disputa tarifária será por fim resolvida no estilo “the winner takes it all” com a Guerra Civil. A agenda lincolniana será uma radicalização parcial da agenda do American Sytem. Voltaremos seguidamente neste ponto. Apenas concluiremos essa narrativa tarifária dos EUA destacando que o período de 1846 a 1861 entrou para a história como um momento de “protecionismo moderado”14. Para com e após a Guerra Civil o Partido Republicano deter uma hegemonia dos EUA pelos próximos 50 anos, radicalizando na defesa alfandegária. Conectados sempre com uma agenda de producerism, inicialmente expandindo a base produtiva interna, depois protegendo os produtores estabelecidos num caminho de monopolização produtiva interna, para na sequência defenderem a expansão externa de seus grupos, já conectados com o momento seguinte do Imperialismo. O “capitalismo monopolista”, nos Estados Unidos é neto da Guerra Civil: se com Lincoln houve uma expansão produtiva inflacionista (já com grupos industriais NACIONAIS protegidos por contratos monopolizados com o Estado) durante a Guerra Civil, num segundo momento será a hora da concentração dessa base produtiva, sob o casamento do Capital financeiro15. Tal trajetória econômica/política é a expressão da transformação do partido Republicano de um partido nacionalista popular, partido “do Povo, pelo Povo, para o Povo”, num partido nacionalista da oligarquia Plutocrática. Partido este que dominou e escreveu tal trajetória dos Estados Unidos. Entre Lincoln (1861-1865) e Wilson (1912-1920) apenas dois mandatos da presidência dos Estados Unidos não foram Republicanos (1884-88; 1892-96), por sinal o mesmo homem: presidente Cleveland, único presidente não republicano do período1860-1912. Essa hegemonia republicana foi feita em cima da experiência da moeda fiduciária greenback imposta pelo governo Lincon, sob inspiração política intelectual do American System.

Sistema Monetário


 

Os Estados Unidos desde a Independência até 1861 tiveram um sistema monetário sintonizado com o conjunto do ocidente (França e Europa continental), destoante do padrão-ouro inglês. Os Estados Unidos se centraram no bimetalismo: ouro e prata lastreavam notas na média histórica de 1 para 15 (15 gramas de prata compra 1 de ouro). Uma vez que a prata sempre foi mais acessível, sobretudo pela proximidade dos Estados Unidos com o México (além de ondas de descobertas de prata no próprio território dos Estados Unidos), o padrão metálico de fato naquela República esteve a maior parte do tempo ligado a prata. Exceção feita aos períodos de descobertas de ouro na Califórnia e no Oregon.

Mas para além deste padrão bimetálico oficial, havia uma larga experiência de monetização de notas bancárias e monetização das dívidas públicas dos estados. Lembremos que nos EUA os estados individualmente tinham muita autonomia. Havendo espaço para a concessão de licença para a abertura de bancos estaduais com capacidade emissora (...only few banks issued notes in the 1790s, close to two hundred did by 1815, and by 1830, the number had climbed to 321. Ten years later, the number of banks jumped again, to 711, and after dipping in the early 1840s, skyrocketed upward.)16. As oligarquias estaduais manipulavam tais instrumentos político/econômicos: liberação de notas fiduciárias de alcance estadual, emitidas por bancos privados, que conseguiam dos respectivos governos estaduais licensa para funcionar. Havia muitas suspeitas e acusações de corrupção nesses processos. Sendo a marcha para o oeste feita com a cavalaria da União na frente, massacrando os índios, com tais terras tornadas territórios nacionais, que assim seguiam até ter uma população branca suficiente e estrutura econômica para se tornarem estados. Era neste momento, quando se tornavam estados, que tais experimentações monetárias/financeiras passavam a ocorrer. Diante das possibilidades econômicas dos novos espaços: perspectivas de extração mineral e animal, colonização e assentamentos das terras que eram capitalizadas (as terras ocupadas acabavam lastreando possíveis futuras hipotecas), melhoramentos em navegação e estradas e, sobretudo, perspectivas de passagem de ferrovias17, é que as tais notas emitidas por bancos estaduais privados (bancos ligados clânicamente com as famílias políticas na direção destes estados) eram lançadas com promessas e esperanças de desenvolvimento para o avanço das fronteiras18.

Muitas dessas notas naufragaram em inflação, algumas desastrosas. Contudo, muito do desenvolvimento do interior profundo seguia sendo feito com notas que nas capitais dos próprios estados nada valiam. Seguiam sendo aceitas por famílias produtoras humildes e tendo função em esferas básicas de desenvolvimento. Outras notas sofreram certa inflação estadual, mas seguiam amplamente aceitas. Sendo que muitas delas acabavam valendo em estados fronteiriços também, numa tácita aceitação mútua dos meios de pagamentos entre estados, que ampliava tais instrumentos de desenvolvimento, numa bem sucedida capitalização interna, na qual meios de pagamentos fiduciários funcionavam como alavancas de desenvolvimento de territórios “selvagens”, que ao gerarem os frutos produtivos ali trabalhados, acabavam lastreando as próprias notas fiduciárias originais. Num curioso processo dialético em que a soma de trabalho, terras e notas fiduciárias, acabavam numa capitalização geral, em que meios de pagamento, sem lastro ao inicio, serviam de promessas que se cumpriam ao fim da expansão produtiva.

Outra consequência dessas experiências monetárias foi uma explosão da falsificação dessas notas nos EUA. Estimasse que até metade das notas em circulação nos EUA de fim dos anos 1830 até os anos 1850 eram falsificações19. Com regiões do Canadá, ligadas aos grandes lagos, se especializando em tal produção, além da produção de falsificações internas aos EUA.

Com todas as polêmicas sobre a história dessas experiências monetárias, com notas: totalmente fiduciárias, dívida pública monetizada, notas bancárias simples ou lastreadas em hipotecas... o que ninguém nega é que mesmo com todos os excessos localizados, tais notas foram efetivas e eficazes na expansão e consolidação do desenvolvimento norte-americano.

Quando descobertas metálicas eram feitas o equilíbrio emissor mudava. Como quando a partir de 1848 acharam ouro na California. Tal região que tornou estado em 9 de setembro de 1850, sendo caso único de se tornar um estado sem ter sido antes um território federal, por conta da força econômica deslanchada pela “gold rush”20. No Compromise of 1850 a Califórnia se tornava o 31° estado dos Estados Unidos, sendo acordado que seria um Free State: estado sem escravidão. Tal estado passou a emitir uma nota bancária lastreada em ouro, com alavancagem, aceita em todo o território nacional.

Lincoln e o Greenback

Tal situação monetária, oficialmente bimetálica, mas funcionando na prática no interior do país e na maioria das vezes com notas bancárias diversas (quando não com falsificações) seguiu assim difusa até a eleição do primeiro republicano à Presidência em 1860. Com a vitória de Lincoln nesta eleição, com a decisão do sul de se separar, o recém eleito governo Federal viu-se numa situação limítrofe.

O pomo da discórdia era a decisão irrevogável do novo governo federal de proibir a expansão do escravismo para os territórios federais (terras roubadas aos índios e aos mexicanos) e não que o governo Lincoln iria abolir a escravidão nos estados do sul: Lincoln foi categórico em defender que iria respeitar a decisão de cada estado, já estabelecido, em manter ou não a peculiar instituição. Mas nas terras do meio oeste, territórios federais que iriam se tornar novos estados o jovem partido republicano estava fechado neste ponto: todos seriam Free States. Estados sem escravidão.

Diante de separação do sul o governo federal radicalizou na interpretação constitucional de que os Estados Unidos seriam indivisible. A Guerra Civil eclodiu.

Neste ponto iremos retomar o eixo em estudo aqui: a moeda. A Guerra Civil norte-americana é largamente vista girando em torno da escravidão, da questão do trabalho. Complementando tal enfoque inescapável, aqui trataremos de uma experiência revolucionária da Guerra Civil: a moeda. Pois diante da separação sulista, da disputa por corações em mentes nos estados fronteiriços (e no meio oeste), um plano nacional unitário se impunha. Enquanto o sul se separava pela escravidão e contra as tariffs excessivas do norte. O plano lincolniano de valorização do trabalho exigia mais meios de pagamentos.

Na crise Lincoln chegou a consultar a City londrina sobre empréstimos, que diante da ruptura do sul gerou nos bancos ingleses uma segurança em exigir juros muito acima do que seria cobrado dos EUA até 1860. O que determinou no novo governo a decisão de avançar num salto monetário progressista e nacionalista.

Muitos se esquecem, mas o partido republicano nasceu como um partido abolicionista, nacionalista/industrialista/protecionista, sob intensa influência dos intelectuais identificados com o movimento de economia política, chamado, American System. Daniel Raymond e, sobretudo, Henry Carey (que foi conselheiro pessoal do presidente Lincoln, apesar de se indispor com ele várias vezes, por discordar do que via como falta de radicalidade do presidente Lincoln) foram grandes espoentes desse grupo. Que defendia altas tarifas protecionsitas, planos de internal improvements (com gastos governamentais e contratações APENAS de empresas nacionais), além de emissão monetária na medida das necessidades dos negócios (seja tal emissão metálica, fiduciária ou dívida pública monetizada), bem ao gosto da Banking School britânica ( que defendia ser a taxa de juros a medida para regular mais ou menos moeda nas praças, contra os adeptos da Money School, que defendiam ser a taxa de câmbio, como com os metalistas bresileiros).

Logo, diante da secessão arrastando o país para gastos incontornáveis com a guerra, com juros proibitivos nas praças do capitalismo central, o governo Lincoln, presidindo este país então semi-periférico, em meio a uma secessão, para fazer frente a uma guerra, que estourou em abril de 1861, decidiu, neste mesmo ano, lançar uma moeda totalmente fiduciária de alcance nacional, que está na base do dólar como nós o conecemos: era o greenback. Até a cor verde do dólar como nós o conhecemos hoje vem daí.

Tal moeda financiou os grupos industriais do norte, que se expandiram ferozmente para armar, vestir e alimentar os exércitos da União. E gerou um meio de pagamento seguro (pois nacionalmente aceito) e barato nas áreas do meio oeste em disputa. Novamente destaco aqui que tal moeda foi uma arma na Guerra Civil. Pois os pequenos fazendeiros dos territórios federais eram seduzidos pelo discurso racista pró slavery, mesmo tendo 1 ou dois escravos, ou, como a absoluta maioria, nenhum, muitos desses white trash se seduziam pela perspectiva de ter algum escravo. Entre as “vantagens” duvidosas e elitistas da expansão do escravismo naquelas regiões e o aquecimento real dos negócios regulamentados e impulsionados por uma moeda legal/nacional, o apoio ao Legal Tender, do dólar da União, venceu a miragem escravista. Tendo, portanto, a moeda jogado um papel direto na arena em disputa na Guerra Civil.

Em 1862 o governo federal passou Homestead Act (Homestead Act, que definia a posse de uma propriedade com 160 hectares a quem a cultivasse por cinco anos. Essa lei fez aumentar muito o fluxo de imigrantes europeus para os EUA). Em 1863 foi a vez do National Banking Act, regulamentando e ampliando os bancos nacionais emissores do greenback. Consolidando tal política monetária. Neste mesmo 1863, desde 1 de janeiro, estava em vigor o Emancipation Proclamation, que abolia a escravidão nos estados rebeldes.

Toda a política lincolniana de financiamento da Guerra, salários e pensões de soldados e viúvas, brutal expansão produtiva industrial, reorganização nacional do sistema bancário, reforma agrária com colonização de trabalhadores livres no meio oeste e oeste, abolição... Tudo isso foi feito com essa moeda nacional totalmente fiduciária lançada por este primeiro governo republicano: o greenback.

Em 1864 há um segundo National Banking Act, que consolida tal experiência monetária e bancária como um sucesso revolucionário inédito numa nação semiperiférica até então. Lincoln é reeleito em 1864 e em 1865 a guerra acaba com a vitória da União. Sendo Lincoln morto dias depois, em 14 de abril de 1865.

Sua política financeira é mantida: assim os EUA saem do sistema monetário internacional de 1862 a 1879. Justamente o período da Guerra Civil e da Reconstrução (1865-1877), em que a nação se consolida e sua revolução industrial também, protegida estrategicamente em sua isolada moeda nacional fiduciária, que se impunha legalmente nos Estados Unidos (Legal Tender), sem deixarmos de notar na imposição dessa moeda o sucesso militar da Guerra Civil. Podemos perceber que havia por de trás dessa moeda fiduciária já um lastro militar latente, se não Real,a lhe dar força, impondo internamente sua aceitação hegemônica como moeda nacional. Contudo, sem duvida, foi neste período histórico em que a Guerra Civil constituiu essa moeda nacional, que o parque produtivo dos Estados Unidos se consolidou e a integração leste-oeste se fechou (a primeira ligação ferroviária leste-oeste foi concluída em 1869). Além da submissão do sul a União, com suas tarifas nacionais altistas, tornando-se incontestes. Assim os Estados Unidos fizeram seu salto industrial nacional com uma moeda heterodoxa e nacionalista, externa ao modelo internacional centrado na potencia hegemônica de então. Colocando-se frontalmente contrários aos conselhos da intelectualidade britânica21, opondo-se ao padrão monetário propagado desde as ilhas brtânica como o mais eficaz, os Estados Unidos efetuaram seu desenvolvimento industrial com essa experiência monetária fiduciária. Acoplada às ideias do American System, como as tarifas alfandegárias “altistas”, isolacionismo seletivo, apoio às indústrias nascentes e protecionismo industrial em todos os contratos e projetos públicos22.

Retorno do dólar ao padrão-ouro: 1879. E a Reação Populista.

Os EUA retronam ao padrão metálico (agora ao padrão-ouro) a partir de 1879. Num processo que gerou a maior onda em defesa da criação de um “terceiro partido” na história dos EUA: o Free Silver currency party, Greenback Party, Prohibition Party23 e o mais importante deles: o People’s party, também conhecido como Populist Party. O que nos mostra a reação contrária entre grupos populares e organizados dos pequenos produtores contra o padrão-ouro24.

Após a ultima expansão monetária totalmente fiduciária do greenback, ainda sob o governo Grant (general da Guerra Civil, republicano do norte, presidente Grant de 1868-1876), para responder a crise estrutural de 1873, ao longo da década de 1870 a contração monetária segue sendo feita pelo governo federal, que busca o retorno de um padrão-ouro, alcançado em 1879.

As reações contrárias foram crônicas, organizadas e fortes. Sendo o movimento populista o epicentro dessa reação.

Com a vitória yankee na guerra, houve uma explosão de propriedades agrícolas nos Estados Unidos, sincronizada com a expansão ferroviária do país (lembremos que Lincoln começou sua carreira como advogado de uma companhia ferroviária). O otimismo e a confiança no trabalho livre das novas terras (roubadas dos indígenas) colonizadas pelo “homem branco” e na expansão tecnológica simbolizada pelas ferrovias, ao longo da década de 1870, foram dando lugar ao estresse econômico, medo e desesperança, pois a área de produção agrária do país alcançada por ferrovias multiplicou-se ferozmente após a guerra. Entre 1860 e 1890 o número de fazendas nos Estados Unidos triplicou. A superfície de terras cultivadas pulou de 407 milhões de acres para 828 milhões25.

Os ciclos de boom and bust (expansão e falência) da economia rural, em constante expansão física (mas crescente limitação financeira) dos Estados Unidos foi sendo cada vez mais contrastado com a solidez e sempre maior concentração de riqueza dos grandes grupos industriais/comerciais do país, cada vez mais oligopolizados.

A força crescente de tais grupos, com suas conexões com o sistema bancário e financeiro, concentrado em Wall Street, era vista por grande parte da nação como uma traição aos fundamentos da “liberdade industrial” do Povo. E ao próprio Povo.

Tal desconfiança tinha uma questão monetária em seu centro. Durante a Guerra Civil, o presidente Abraham Lincoln emitiu uma moeda totalmente fiduciária para custear a guerra: o chamado Greenback, papel-moeda totalmente fiduciário, sem lastro metálico, emitido em larga escala para pagar o exército e as compras governamentais. Tal emissão financiou o salto industrial do nordeste e dinamizou toda uma economia de guerra, no que podemos chamar de um primeiro “keynesianismo militar” da história moderna. Tal moeda, aceita em todas as esferas (municípios, estados e União) como pagamento de impostos, circulou livremente pelo país que fazia uma reforma agrária e abolia a escravidão, garantindo um legal e barato meio de pagamento para salários e financiamento geral para a expansão produtiva.

Essa moeda é a base da conhecida cor verde do dólar, e seguiu em circulação mesmo após o “crime de 1873” , quando o governo dos Estados Unidos se compromete a apenas emitir moeda, a partir de então, com lastro em ouro e não mais em prata ou greenbaks. Tal decisão, que demorou até 1879 para ser executada, foi seguida pela previsível redução relativa dos meios de pagamentos, encarecimento do dinheiro com aumento das taxas de juros. Logo, o movimento populista só é compreensível se entendermos essa questão monetária: produtores dispersos, defendendo o aumento da emissão monetária para financiar o aumento de sua produção e para baratear o pagamento de dívidas e juros.

O movimento populista é perpassado pela defesa do Greenback, e/ou pelos defensores do Free Silver Currency: grupo que apoiava a livre monetização da prata, ligados aos donos de minas de prata, metal existente em quantidade significativa no oeste norte-americano de então.

Tal disputa, entre os defensores do Greenback e do Free Silver Currency de um lado, e dos defensores do padrão-ouro do outro de outro, foi um tema central dos anos de crise deflacionária dos 1880 e 1890, sendo o movimento populista o maior centro de organização e protesto contra o padrão-ouro nos meios populares e médios dos Estados Unidos.

No Brasil conhecemos esse debate como entre os metalistas e os papelistas26.

Nos Estados Unidos, as décadas de 1880, 1890 marcaram um aumento produtivo típico da segunda Revolução Industrial, durante a globalização vitoriana que expandia e abria mercados, baixava preços ao transformar uma série de grãos e produtos em commodities. A bolsa de grãos em Chicago surge nesses anos27, enquanto as companhias de distribuição e estocagem, ligadas a seguradoras e bancos, concentram a maior parte dos lucros da produção agrícola em expansão e deflação. Tal deflação barateou a vida das massas urbanas proletárias, mas gerou uma onda de insatisfação entre os fazendeiros norte-americanos e alhures. Há neste processo o fortalecimento dos grupos industriais financeirizados, ligados aos grandes bancos, a gerar uma concentração produtiva que será conhecida historicamente como a Era do Capitalismo Monopolista. Surgido nos últimos 25 aos do século XIX nos Estados Unidos. O movimento populista se insere assim numa tradição producerist, ligada aos antigos teóricos do American System, pelo direito dos produtores, sobretudo os pequenos, de produzirem e prosperarem. Com a entrada dos Estados Unidos no padrão-ouro a partir de 1879, sendo identificada com os interesses dos grandes grupos Monopólicos e os bancos, e contra os pequenos produtores.

Consideramos aqui que após a experiência da moeda fiduciária de Lincoln, o greenback, que nasceu como um meio de expansão produtiva e fortalecimentodos dos direitos produtivos do Povo, quando da entrada dos Estados Unidos no padrão-ouro em 1879, a elite daquele país se afasta definitivamente dos preceitos do American System, partindo para uma concentração industrial monopolista. A moeda que surge anti-sistêmica em 1862, sofre uma virada financeira elitista e pró monopolismo/oligopolismo produtivo, com a então metalização (ouro) do dólar.

Tal experiência monetária serviu a uma expansão econômica surpreendente do país, afinada com a agenda da elite nortista, que somada à nova legislação bancária (1863/1864) gerou a reorganização e a superação do anterior caos monetário e bancário da nação28, tendo o nordeste garantida a centralidade e a supremacia neste sistema modernizado. Contudo, no futuro, o Greenback tornou-se o cavalo de batalha do movimento populista liderado por fazendeiros, contra essa mesma elite nortista, quando essa adere, e arrasta o país, ao padrão-ouro, tirando o dólar de seu eixo fiduciário original.

Um último ponto aqui destacado da agenda republicana são as tarifas alfandegárias. Altistas tanto com a moeda fiduciária, quanto quando o dólar entra no padrão ouro. É considerado indispensável para o sucesso do projeto republicano, com proteção à indústria via elevação das barreiras alfandegárias. Ainda antes da posse de Lincoln, em 2 de março de 1861, os republicanos no Congresso passam a Tarif Morrill, que leva o nome do representante republicano de Vermont que a propôs, na qual impostos alfandegários passam de 5% a 10% sobre todos os produtos de ferro e aço importados, assim sobre todos os lanifícios, todos o têxteis de algodão e tapetes de qualquer material. Durante a guerra, em que o sul esteve ausente do Congresso, não houve um ano entre 1861 até 1864 em que não fossem aprovadas mais e mais medidas protecionistas. Ao fim da guerra, a taxa alfandegária média era de 47% dos importados contra 18,8% no inicio da guerra. As indústrias protegidas ganharam uma margem de aumento de seus preços internos de 20%. E, após a guerra, novas rodadas de aumento de taxas sobre importados foram lançadas: têxteis em 1867, em 1869 direitos sobre os produtos de cobre foram multiplicados por seis, e, em 1870 de novo o aço ganha aumento tarifário, com direito a impostos sobre produtos de aço que ainda não eram feitos nos Estados Unidos, como forma de proteção antecipada29. Literalmente, isolando a siderurgia e metalurgia dos Estados Unidos de qualquer concorrência inglesa.

Em 1890 a tarifa Mackinley é aprovada. Uma medida que leva o nome do congressista republicano (futuro presidente republicano dos Estados Unidos) que a propôs, na qual as tarifas alfandegárias chegaram a praticamente 50%30.

Todas essas medidas protegiam as indústrias e os empregos a elas ligados, mas, ao menos inicialmente, inflacionavam os preços dos produtos industriais pagos pelo conjunto da nação. Nas áreas distantes dos centros industriais privilegiados por tais medidas esses benefícios não eram sentidos diretamente. Tal inflação dos produtos manufaturados era mais sentida nessas áreas, sobretudo rurais. E, se o partido republicano nasceu com uma ala radical abolicionista, foi ao fim da guerra sendo rapidamente identificado com essa agenda nacional (regional) desenvolvimentista do capital industrial e bancário do nordeste do país, que rapidamente, via centralização, se transformava num capital financeiro que, ano a ano, ia sendo reconhecido cada vez mais pelo conjunto da nação, como uma oligarquia plutocrática. Diante dessa oligarquia financeira que hegemonizava a agenda nacional do Partido Republicano, uma reação antimonopólio foi sendo mais e mais sentida, sendo o movimento populista o eixo e centro dessa reação político/popular. E a defesa do retorno ao greenback fiduciário(ou a monetização da prata) o tema central dessa luta. As décadas de 1880 e 1890 nos Estados Unidos estão marcadas por esse combate por todos os lados.

O auge desse combate será as eleiçoes de 1896, na qual o republocano pró padrão-ouro, Willian Mackinley vence o populista Willian Jenning Brian31, histórico paladino do greenback fiduciário, que incendiou o país com seu discurso contra a crucificação da América numa Cruz de Ouro32. Este candidato populista, que ganhou a indicação republicana era um defensor do Greenback (legal tender: moeda fiduciária), ou da livre monetização da prata. Esta sua indefinição foi muito usada por seus oponentes para desqualificá-lo como perigoso e imprevisível. Contudo, o certo era sua oposição ao padrão-ouro. Defendo a expansão produtiva dos da base e dos pequenos produtores independentes. Tal luta desses pequenos produtores por maior controle das saídas de sua produção é inseparável da luta monetária dos defensores do Greenback (e dos defensores da monetização da prata) contra os adeptos do padrão-ouro no período. A força do movimento se ancorava na memória da moeda lincolniana, identificada com o patriotismo e a liberdade, e com os dias de reconstrução econômica de um país ancorado num barato e abundante meio de pagamento legal: o Greenback.

Porém, nesta eleição extremamente violenta e disputada de 1896, Brian perde para o republicano Mackinley. Com os Estados Unidos ficando no padrão-ouro. Campanha explosiva, concluída com a vitória do republicano McKinley. Após a derrota de Bryan, o movimento populista viveu um inexorável refluxo. Até o fim do século XIX o movimento sobreviveu com certa organicidade. Mas já no começo do século XX estava distante da capilaridade e influência que exerceu na primeira metade da década de 1890. Todos concordam que a derrota de 1896 exerceu um revés traumático ao movimento, com muitas polêmicas internas entre os populistas sobre a validade de seguirem apoiando outros partidos (fusionists) ou se fechando.

Mas muito do refluxo do movimento populista está ligado, justamente, ao seu sucesso naqueles anos deflacionistas e o susto que causaram na elite: a organização dos agricultores, a campanha por mais meio circulante, a defesa do imposto de renda, defesa da nacionalização das ferrovias, construção de armazéns estatais e mais benfeitorias públicas, sobretudo, mais escolas técnicas e regulares por todo o país, incluso em áreas rurais. Todas essas demandas populistas calaram fundo na sociedade norte-americana e abriram uma era de reformas políticas econômicas que se acelerará no New Deal, mas que começaram, ainda que de forma embrionária, após aquela campanha de 1896 e a pressão populista33.

Para o refluxo do movimento há ainda outros fatores mais circunscritos a melhoras econômicas difusas nos Estados Unidos depois de 1896, como uma melhora conjuntural da econômica, e, sobretudo, ao aumento da produção de ouro, principalmente na África do Sul, gerando um maior afluxo monetário, impactando assim numa sensível melhora e aumento da circulação monetária, amainando essa questão central para o movimento. A guerra dos Estados Unidos contra a Espanha (1898), que o então presidente McKinley tentou evitar, mas cedeu a pressão da mídia empresarial, dos democratas e de republicanos pró-intervenção, também causou impactos positivos na economia norte-americana (gerando um estímulo econômico externo nesse capitalismo monopolista, como explicado por Baran/Sweezy: através da guerra, regularmente invocada para o crescimento da economia dos Estados Unidos). Tudo isso completa o ambiente em que a onda populista de fins do século XIX vai se amainando.

As melhoras no meio rural norte-americano após a eleição de 1896 seguiram até um auge com a Primeira Guerra Mundial, com os preços do algodão, trigo e outras commodities subindo constantemente. Os preços em dólar das fazendas sofreram uma inflação que em média triplicou o valor de tais propriedades. As melhoras foram irregulares entre os produtores, contornando muitos pequenos produtores, sobretudo pequenos produtores negros do sul, vítimas de boicotes e hostilidades que cresceram nesse mesmo período. Entretanto, muitas melhoras passaram a ser sentidas pela maior parte do mundo rural, com a aprovação de taxas para a construção de escolas rurais e maior acesso dos produtores rurais a produtos industriais. Com o aumento constante das compras para benfeitorias nas fazendas, como bombas d’água, máquinas de lavar e outros bens de consumo que modernizaram o trabalho rural. Um item de destaque será a última invenção que marcou época na história do capitalismo segundo Baran e Sweezy: o automóvel. Em 1920 um terço de todas as fazendas nos Estados Unidos tinham ao menos um carro ou caminhão34.

Obviamente, muito mais do que a guerra contra a Espanha (1898), a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) será o grande estímulo externo em forma de guerra que a economia norte-americana viveu. Mesmo antes de entrar na guerra (1917), desde 1914, os impactos econômicos do conflito, extremamente benéficos para a economia norte-americana, se expressarão de muitas formas, inclusive com inflação dos preços agrícolas. Além disso, com a guerra, o governo federal criou um plano de estocagem de alimentos, por conta de preocupações estratégicas, que incrementava o que sempre foi proposto pelos populistas: estocar excessos produtivos para manutenção de preços, mas agora com a chancela federal, que via em tal medida uma questão de segurança nacional, alcançando a produção de commodities agrícolas uma proteção federal comparável a uma situação monopolista ligada ao Estado.

Em 1913 o Federal Reserve Act permitiu uma expansão parcial do meio circulante ainda no padrão-ouro. E no mesmo ano uma emenda constitucional passa uma demanda histórica dos populistas: a aprovação do imposto de renda.

O Departamento Federal de Agricultura teve seu orçamento aumentado em mais de 700% entre 1900 e 1915. Em 1917, seu orçamento era de 280 milhões de dólares, sendo então um dos maiores departamentos burocráticos dos Estados Unidos35.

Uma inovação dos populistas que foi sendo sentida cada vez mais no mundo rural, desde a virada do século foram as chamadas Farmer’s Institutes, uma combinação de agências estaduais de apoio e orientação aos agricultores, com colégios regulares e colégios técnicos de extensão focados em melhorias especificas do mundo rural. Em 1901 eram oitocentos mil produtores associados. Em 1914 eram mais de três milhões.

Um dos líderes históricos do movimento, Charles Macune, escreveu um livro em 1920 expressando seu orgulho de ter participado do movimento e declarando não ter nenhum arrependimento, dizendo-se satisfeito com as melhoras conquistadas nas duas primeiras décadas do novo século, e que o esvaziamento do movimento após a eleição de 1896 não foi uma derrota, mas consequência das vitórias que foram suprindo as demandas da pauta populista. “No movement can survive when there is no necessity for its existence.” Talvez ele tenha sido otimista demais. As décadas de 1920 e 1930 não foram nada promissoras para os produtores rurais dos Estados Unidos. Mas ele deixa um testemunho histórico comprometido com uma agenda reformista, que se até certo ponto questionou as bases do que aqui chamamos de capitalismo monopolista, acabou lutando por se associar a ele mais do que a combatê-lo. Tal agenda reformista encontrou seu escape com o New Deal, num ambiente político que era então, como até hoje, monopolizado pelos dois partidos hegemônicos dos Estados Unidos.

Dólar em disputa: entre metalismo e papelismo

Com a primeira guerra mundial o dólar segue no padrão-ouro, com o país enriquecido pelo conflito que usufruiu a distância. Com a grande crise de 1929 os Estados Unidos, seguindo o que a Grã-Bretanha fez em 1931, saiu do padrão-ouro em 1933. Voltando assim a ser uma moeda fiduciária para lidar com sua grande depressão dos anos 1930.

Apenas voltando para o padrão-ouro com o desenrolar da segunda grande guerra, já no fim desta, em 1944. Neste ano, em Bretton Woods entroniza-se o dólar como moeda internacional. Os EUA concentravam 2/3 das reservas de ouro do mundo e 50 por cento do PIB industrial do mundo, tendo sido também na segunda grande guerra o país mais beneficiado do conflito. Nos acordos de Bretton Woods ficou acordado que o dólar estaria lastreado em ouro, numa relação de 35 dólares para uma onça Troy de ouro (31,1 gramas de ouro). E o dólar seria a moeda de referência do comércio internacional. Não mais a libra, não o ouro em si, nem o “cesto de moedas” (defendido em Bretton Woods pelo seu presidente de honra, Lord Keynes, que em protesto pela imposição do dólar como a moeda de referência mundial em Bretton Woods, imposta pelos Estados Unidos, abandona a reunião). Nestes anos do Bretton Woods (19441971), o dólar foi a moeda de referência estando lastreado nesse padrão-ouro.

Ao fim dos anos 1960, com o desenvolvimento industrial de Europa e Japão reconstruídos, a base produtiva internacional muda sua composição geográfica. Enquanto os Estados Unidos aumentavam muito seus gastos militares na guerra do Vietnam. Diante dessa explosão de gastos, crescia a desconfiança internacional de que a moeda norte-americana não tinha mais uma relação real de lastro em ouro. Tais desconfianças avançavam. E diante das suspeitas de que a emissão norte-americana ultrapassava em larga medida suas reservas metálicas, em vista da explosão com gastos na guerra do Vietnam, a França com De Gaulle tenta trocar suas reservas de dólar por ouro. Recebe uma clara recusa em resposta. Para em 1971 o Governo Nixon “suspender” temporariamente o troco em ouro do dólar. E, finaly, em 1973 determinar que o dólar não seria mais trocado por ouro: “onde dollar is one dollar”. Com o dólar voltando a ser uma moeda totalmente fiduciária. Mas agora a moeda internacional hegemônica no centro de um sistema de câmbios flutuantes. Completando uma trajetória da história do Dólar desde uma Moeda fiduciária desenvolvimentista interna (1862-1879) até uma Moeda (Imperialista-fiduciária) Global (a partir de 1973).

Moeda “fiduciária” Imperialista: lastro militar monopolizando a principal base energética mundial

Nessa composição do dólar como moeda de troca mundial após 1973, tem-se entendido que o que, de fato, lastreia o dólar é a base energética central do mundo: o petróleo. Justamente no ano de 1973 há a criação do cartel da OPEP. Na qual a Arábia Saudita, maior produtor mundial, acorda com os Estados Unidos apenas vender petróleo por dólar. Neste mesmo ano os Estados Unidos que haviam acabado de reeleger Nixon reconhecem a China Comunista e a convidam para entrar na ONU. O que abrirá o caminho para a expansão industrial da China e desindustrialização do centro do capitalismo (e de algumas semi-periferias). Com o aumento de preços do petróleo sendo pago pelo mundo, mas apenas em dólares. O que de uma forma sofisticada criava um lastro real para a moeda hegemônica, calcada na energia. E que assim exportava sua inflação pelo mundo.

Porém o curioso é que tal lastro energético se calcava numa base produtiva/militar: as forças armadas dos Estados Unidos e sua indústria bélica. Isso porque será entendido que os Estados Unidos obrigam que os países produtores de petróleo o vendam em dólares. Caso contrário sofrem intervenções militares. Como foi o caso do Iraque de Saddan Hussein, quando este determinou a venda do petróleo iraquiano em Euro. O país foi invadido. Este modelo monetário pós Bretton Woods (1973-?) centrado neste dólar, não pode ser interpretado apenas como uma moeda fiduciária: mas é lido como um período monetário de lastro militar do dólar.

Estando o dólar greenback original, fiduciário e anti-sistêmico, na origem de um desenvolvimentismo interno, nacional, independente, como um escudo para o crescimento daquele país durante o ciclo de acumulação britânico. Sua entrada no padrão-ouro ao fim do século XIX, sendo uma estratégia das organizações monopolistas internas para a centralização nacional produtiva e para o avanço internacional dessas forças no mundo. Para finalmente no pós Bretton Woods encontrarmos uma moeda formalmente fiduciária, mas que é lastreada em forças nacionais militares que amarram tal moeda a uma fonte central de energia do mundo moderno: o petróleo.

Guerra, protecionismo e nacionalismo sempre acompanharam o dólar. Marcamos neste texto que o dólar “moderno” nasce com Lincoln na Guerra Civil (1862), como uma moeda totalmente fiduciária a expandir a produção interna dos Estados Unidos e a isolar seletivamente tal nação do sistema internacional centrado na Grã-Bretanha então. Tal experiência estava, como já destacado, conectada com a agenda intelectual do American System: em defesa do produtivismo, direitos dos produtores (acima dos consumidores), segurança nacional produtiva, com a máxima ampliação interna da produção. Assim como da defesa tarifária crônica e da da abolição: libertando o trabalho e protegendo a ampliação produtiva interna. Toda essa agenda político/intelectual se consolidou sob a moeda fiduciária greenback. Quando o parque produtivo interno dos Estados Unidos e a própria unidade nacional estava consolidada, apenas em 1879, é que a elite dirigente do país se reaproxima dos preceitos do capitalismo central de então, calcados no padrão-ouro.

 

Destacamos no presente trabalho a centralidade da experiência monetária fiduciária da União com o greenback lincolniano, para vencer a Guerra Civil e deslanchar um salto nacional produtivo, fazendo su segunda Revolução Industrial. Com a posterior entrada do moderno dólar no padrão-ouro já como um processo interno de concentração produtiva sob os grandes grupos financeirizados, nos quais o capital industrial se associa e se submente ao capital bancário, num processo de monopolização capitalista dos Estados Unidos. Para então tais grupos partirem sobre o resto do mundo via suas multinacionais.

A relação da elite norte-americana com o padrão-ouro foi sempre muito pragmática, estando tal elite disposta a integrar tal sistema desde que isso lhe sirva aos seus interesses. Obviamente aqui defendemos que o salto deste país para o centro do capitalismo se deu com a moeda fiduciária: os Estados Unidos tornaram-se um país rico e industrializado, traçando sua trajetória para o desenvolvimento, com uma fiduciária e heterodoxa moeda: o greenback lincolniano. A posterior entrada do país no clube do padrão-ouro (1879) seguiu uma reaproximação da elite nortista com os padrões vitorianos elitistas, com o partido hegemônico do período, os republicanos, se afastando de suas raízes populares e redirecionando o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos para a concentração econômica e produtiva.

A crise de 1929 obriga tal elite a retrabalhar seu modelo e com o New Deal eles reformam o sistema, sempre retomando propostas e ideias das agendas heterodoxas. Sejam elas populistas, sindicalistas, social-democráticas, nacionalistas, produtivistas... Mas sempre rastreamos, em tais reformas, bases intelectuais do American System e dos grupos antimonopolists, ligados e defensores históricos do greenback original: fiduciário.

Após a saída do dólar do padrão-ouro durante a crise dos anos 1930, justamente o período de reformas estruturais do New Deal, realizadas com uma moeda fiduciária, eles só retornam ao padrão-ouro em 1944, mas em uma situação única no mundo de centralidade política/militar/financeira. Porém, quando o mapa industrial do capitalismo se redesenha com as reconstruções de Japão e Europa, somadas aos custos militares da guerra do Vietnam, a espiral produtiva e de socialização dos prejuízos do Ciclo Sistêmico de Acumulação norte-americano passa a exigir uma nova moeda eixo. Não mais o dólar metalizado de Bretton Woods, mas, novamente, uma moeda tecnicamente “fiduciária”. Para a marcha de uma acumulação sem fim, aquela moeda com lastro em ouro, vinda de 1944, não era mais cabível. Voltando, tecnicamente, ao modelo monetário fiduciário, o dólar pós 1973 alcançou outro patamar de poder e força simbólica e material. Sem ter uma base material mesurável, o dólar segue fantasiado como se fosse, em si, o valor “onde dollar is one dollar”. Contudo, seu lastro de fato é uma das energias centrais desde a segunda Revolução Industrial(junto com a eletricidade): o petróleo. Ao militarmente impor a compra desta commoditie, que é uma base energética central para o mundo moderno, apenas pela sua moeda nacional, os Estados Unidos reafirmam sua antiga tradição de casar papel com guerra para manter sua moeda como a única central. Conseguindo assim exportar sua inflação. Fazendo o mundo funcionar num capitalismo que está a mais tempo nesse padrão monetário dollar-dollar pós Bretton Woods, do que o próprio tempo de duração do padrão dólar-ouro de Bretton Woods (1944-1973).

Neste trabalho buscamos recuperar a trajetória desta moeda, para destacarmos como uma moeda fiduciária foi vital para a entrada dos Estados Unidos na segunda Revolução Industrial e no centro das nações do capitalismo histórico, fazendo os Estados Unidos darem seu salto desenvolvimentista no século XIX, desafiando a hegemonia britânica. Sendo a relação posterior de tal moeda com o metalismo conectada com a concentração produtiva financeirizada. E, por fim, como na espiral de Vico36, o “retorno” do dólar ao modelo fiduciário (com o republicano Nixon em 197173, do partido fundado por Lincoln) marca um ápice da força político/militar dos Estados Unidos, justo durante a crise com a guerra do Vietnam. Numa concentração entre controle energético e estrutura militar a lastrear uma moeda internacional, cuja base Nacional da mesma, lhe confere um caráter Imperialista muito mais complexo e central para entendermos o quadro do Ciclo Sistêmico de Acumulação norte-americano pós Bretton Woods. Cuja decadência do modelo capitalista é evidencia pelo aumento do uso da Força e a atrofia do consenso. Bem como para entendermos o mundo de crise sistêmica no qual estamos inseridos, do qual só vislumbraremos saídas, entendendo e dominando intelectualmente as várias camadas e a História dessa Realidade atual em que estamos mergulhados.

 

Bibliografia:

ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. Ed. Unesp. 1994.

BAIROCH, P. Economics and World History- Myths and Paradoxes. Brighton:Wheatsheaf, 1993.

BARAN, Paul & SWEESY, Paul. Monopoly Capital. A Essay on American Economic and Social Order. Ed. Modern Reader. 1966. Pg. 218.

BRAUDEL, F. Civilisation Matérielle et Capitalisme (XVe-XVIIIe siècle), Paris, Armand Colin, 1979.

CHANG, Há-Joon. Chutando a Escada. A estratégia de desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Ed. Unesp.

DAVES, Mike. Holocaustos Coloniais. Ed. Record. 2002

DEBOUZY, Marianne. O Capitalismo Selvagem nos EUA(1860-1900). Ed. Estúdios Cor.

GARRATY, J., CARNES, M. The American Nation-A History of United States. 10.ed. New York: Addison Wesley Longman, 2000.

GREMAUD, Amaury Patrick. Das Controvérsias Teóricas à Política Econômica: Pensamento Econômico e Economia Brasileira no Segundo Império e na Primeira República(1840-1930). Tese. Orientador: Dr Flavio Azevedo Marques de Saes. FEA/USP.1997.

HOFSTADTER, Richard. The Age of Reform: from Bryan to F.D.R. Ed. Knopf. 1955.

HUNT & SHERMAN. História do Pensamento Econômico. Ed. Vozes. Petrópolis, 1982.

MIHM, Stephen. A Nation of Couterfeiters. Capitalists, Con Men, and the Making of the United States. Harvard University Press, Cambridge, Massachussetts. 2007

PARRON, Tamis. A Política da Escravidão na Era da Liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. Capitulo

POSTEL, Charles. The Populist Vision. Oxford University Press. 2007

RITTER, Gretchen. Goldbugs and Greenbacks: the Antimonopoly Tradition and the Politics of Finace in American 1865-1896. Cambridge University Press. 1997.

SCHNERB, Robert. Libre-échange et protectionnisme. Presses Universitaires de France, Paris. 1967

TURNER, Jackson. The Significance of the Frontier in American History.

1 ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. Ed. Unesp. 1994.

2 HUNT & SHERMAN. História do Pensamento Econômico. Ed. Vozes. Petrópolis, 1982. Pg. 111.

3 “Não podemos, como muitos aspiram, tomar os Estados Unidos da América do Norte como tipo para nosso desenvolvimento industrial, porque não temos as aptidões superiores de sua raça, força que representa o papel principal no progresso industrial desse grande País. Nem devemos considerar o protecionismo como agente exclusivo, nem mesmo principal, do progresso industrial da América do Norte”. INTRODUÇÃO AO Relatório do Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas 1897. p. 147.

5 BRAUDEL, F. Civilisation Matérielle et Capitalisme (XVe-XVIIIe siècle), Paris, Armand Colin, 1979.

6 PARRON, Tamis. A Política da Escravidão na Era da Liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 17871846. Capitulo I.

7 PARRON, Tamis. A Política da Escravidão na Era da Liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 17871846. Pg. 224-232

9 Population of the United States in 1860; compiled from the original returns of the eighth census under the direction of the Secretary of the Interior by Joseph C.G. Kennedy

10 BAIROCH, P. Economics and World History- Myths and Paradoxes. Brighton:Wheatsheaf, 1993.

11 SCHNERB, Robert. Libre-échange et protectionnisme. Presses Universitaires de France, Paris. 1967. pg. 47.

12 CHANG, Há-Joon. Chutando a Escada. A estratégia de desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Ed. Unesp. Pg: 53

13 GARRATY, J., CARNES, M. The American Nation-A History of United States. 10.ed. New York: Addison Wesley Longman, 2000

14 BAIROCH, P. Economics and World History- Myths and Paradoxes. Brighton:Wheatsheaf, 1993

15 HILFERDIN, Rudolf. O Capital Financeiro. São Paulo. Edição Nova Cultual, 1985.

16 MIHM, Stephen. A Nation of Couterfeiters. Capitalists, Con Men, and the Making of the United States. Harvard University Press, Cambridge, Massachussetts. 2007. Pg. 3

17 BARAN, Paul & SWEESY, Paul. Monopoly Capital. A Essay on American Economic and Social Order. Ed. Modern Reader. 1966. Pg. 218

18 TURNER, Jackson. The Significance of the Frontier in American History

19 MIHM, Stephen. A Nation of Couterfeiters. Capitalists, Com Men, and the Making of the United States. Harvard University Press, 2007

21 CAREY, Henry. Cartas ao London Times. Em Cartas da Economia Nacional Contra o Livre Comércio. Ed. Capax Dei. 2009. Rio de Janeiro. Pg. 173.

22 CHANG, Há-Joon. Chutando a Escada. A estratégia de desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Ed. Unesp. \ SCHNERB, Robert. Libre-échange et protectionnisme. Presses Universitaires de France, Paris. 1967

23 The Prohibition Party (PRO) is a political party in the United States best known for its historic opposition to the sale or consumption of alcoholic beverages. It is the oldest existing third party in the US. The party was an integral part of the temperance movement. While never one of the leading parties in the United States, it was once an important force in the Third Party System during the late 19th and early 20th centuries. It declined dramatically after the repeal of Prohibition in 1933. The party received 518 votes in the 2012 presidential election[1] and 5,617 votes in the 2016 presidential election

24 POSTEL, Charles. The Populist Vision. Oxford University Press. 2007.

25 Idem. Pg 26

26 GREMAUD, Amaury Patrick. Das Controvérsias Teóricas à Política Econômica: Pensamento Econômico e Economia Brasileira no Segundo Império e na Primeira República(1840-1930). Tese. Orientador: Dr Flavio Azevedo Marques de Saes. FEA/USP.1997.

27 DAVES, Mike. Holocaustos Coloniais. Ed. Record. 2002

28 MIHM, Stephen. A Nation of Couterfeiters. Capitalists, Com Men, and the Making of the United States. Harvard University Press, 2007.

29 DEBOUZY, Marianne. O Capitalismo Selvagem nos EUA(1860-1900). Ed. Estúdios Cor. pg 33

31 RITTER, Gretchen. Goldbugs and Greenbacks: the Antimonopoly Tradition and the Politics of Finace in American 1865-1896. Cambridge University Press. 1997.

33 HOFSTADTER, Richard. The Age of Reform: from Bryan to F.D.R. Ed. Knopf. 1955.

34 POSTEL, Charles. The Populist Vision. Oxford University Press. 2007. pg 276

35 Idem pg 278

36 VICO, Giambattista. Ciência Nova. Hucitec. 2015. São Paulo